A cidade contemporânea traz consigo, além de marcas; feridas abertas por uma urbanística tida como racional, que afetou nos usos e costumes do integrante social
por Pedro Henrique Máximo Pereira
Objetiva-se neste artigo além de uma reflexão sobre o espaço urbano, com um foco no espaço público; levantar aspectos teórico-conceituais e históricos visando um melhor entendimento da atual situação urbana, considerando os aspectos tanto físicos (com relação à concretude de um espaço, considerando os aspectos teóricos), quanto psico-culturais (como este espaço é utilizado, e como funciona a interação psico-espacial do integrante social). Esse se baseia em uma comparação entre os períodos Moderno e Pós-moderno.
Por uma contextualização histórica
O primeiro trata-se de um período de emergência da mídia e tecnologia, e neste, impõem-se como ideologia. Walter Benjamin afirma que houve um empobrecimento na cultura causado pela viável possibilidade de reprodutibilidade; e o momento do aqui e agora da obra de arte, ter perdido valor, autonomia espaço/temporal e seu caráter único. “Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem.” (BENJAMIM, 1996, p.115). A mídia e a tecnologia (no que diz respeito às várias interpretações deste termo) são difundidores de cultura. “Cultura de Massa”, voltada para o capitalismo, individualismo e vivência. Esta “nova cultura” (cultura pobre); implica em uma metamorfose da “cultura pura” ou “cultura virgem” (cultura tradicionalista, que é ativa e passiva), criando abstrações sociais, pluralidade na identidade de uma comunidade deixando-a impessoal. Com isso acontecem ramificações, hierarquias, camadas de novas culturas e costumes; que implicam em uma transformação das condições sociais, econômicas, políticas, culturais e consequentemente na formação das cidades tanto nos aspectos de infra-estrutura, quanto formais.
Este é um período onde as indústrias ganharam espaço significativo na malha urbana, e o êxodo rural promoveu o inchaço das cidades. Estas, não possuíam infra-estrutura capaz de suportar um crescimento de até 20% de sua capacidade já existente em um único ano, como aconteceu com São Paulo, em alguns anos da década de 10. Que chegou a concentrar cerca de 30% de toda população nacional.
Com a estruturação industrial no seio da cidade, e com estas super-adensadas na primeira década do séc. XX, houve uma necessidade emergencial de resolução espacial. A solução era expandir seus limites, verticalizar o centro das cidades e criar habitações públicas, como os cortiços. Estes, por exemplo, se localizavam no subúrbio, para abrigar famílias de baixa ou nenhuma renda que chegavam do campo em busca de melhores condições de vida. Esta solução funcionou até os próprios cortiços se tornarem super-adensados. Nesses novos núcleos habitacionais, havia um grande número de pessoas de várias etnias. Pessoas que nunca se viram, tornavam-se vizinhas. Em seu romance, “O cortiço”, Álvares de Azevedo expõe a precariedade espacial desses conjuntos, que refletia, consequentemente em sua qualidade social.
E tornando à casa, Piedade ainda mais se enraivecia, porque ali defronte, no número 9, a mulata baiana, a dançadeira de chorado, a cobra assanhada, cantava alegremente, chegando de vez em quando à janela para vir soprar fora a cinza da fornalha do seu ferro de engomar, olhando de passagem para a direita e para a esquerda, a afetar indiferença pelo que não era de sua conta, e desaparecendo logo, sem interromper a cantiga, muito embebida no seu serviço [...] (AZEVEDO, Álvares de. 1890)
Com a crise habitacional no início do século XX, os espaços públicos, como praças e ruas se tornaram casas para parte desses imigrantes. Houve uma conseqüente alienação público-espacial por parte dos habitantes do grande centro, e estes novos “cidadãos” eram tidos como marginais. As terras circundantes das cidades foram invadidas, e não havia um controle e atendimento de infra-estrutura a essa nova camada sócio-espacial que surgia. Nasceu então na periferia das cidades a chamada “favela”. As indústrias não conseguiam empregar esses novos habitantes, e o desemprego tornava-se outro problema social. A cidade estava em uma nova crise. Esta nova camada sócio-espacial abrigava uma sociedade com alto índice de mortes, desemprego, fome; conseqüentemente marginal, no que diz à interpretação pejorativa do termo.
Então, a principal preocupação de políticos e urbanistas era tentar resolver, a curto prazo, esta nova onda de miséria. No Brasil o período de inchaço das cidades foi similar ao de alguns países da Europa, como Inglaterra, Berlim e Madri.
Na década de 10 do séc. XX aconteceu a primeira guerra mundial. Eis ai outro problema a ser enfrentado. As cidades envolvidas ficaram completamente destruídas como Berlim. Cerca de nove milhões de pessoas mortas, 30 milhões feridas e outras milhares desabrigadas. A miséria tomou conta do cenário como totalidade, e a necessidade de reconstrução destas cidades, agravou ainda mais o problema da habitação.
Teóricos/Urbanistas, vendo a proporção da calamidade; no CIAM, em 33, estabeleceram um tratado de “critérios” e de diretrizes de formação e reestruturação das cidades. Neste, que se chama “A Carta de Atenas”, são tratados temas, como por exemplo: salubridade das cidades, adensamento, aberturas nos edifícios, falta de estrutura sanitária, e etc. Para resolver o problema da cidade com essa nova interface, a proposta era uma organização mais limpa, setorizada e geométrica: “a cidade como conseqüência geométrica” (Le Corbusier, 1992).
As cidades existentes eram descartadas por não fazerem parte dos ideais modernos. Eles propunham a “destruição” das já existentes, e a criação de outras, dentro dos “padrões” de cidade moderna. Le Corbusier, sendo o principal nome do modernismo, aponta em seu livro Urbanismo, algumas conclusões relativas à suas análises sobre os constituintes urbanos. Como por exemplo, ele classifica a macro hierarquia social formada à partir do crescimento “aleatório” da cidade: os urbanos (aqueles que habitam no centro e trabalham em empresas ali localizadas) , suburbanos (aqueles que trabalham na zona fabril e habitam na periferia) e os mistos (aquele que habitam em cidades-jardins e trabalham no centro da cidade) e estabelece como estas devem ser colocadas na malha do novo urbanismo. As vias deveriam também possuir uma hierarquia, de acordo com os fluxos. E deveriam ser entrepostas perpendicularmente com dois eixos principais que cortam a cidade de norte a sul, leste a oeste, trazendo de volta ao moderno o traçado clássico de Hipódamo de Mileto (séc. IV a.C.). As edificações deveriam ficar afastadas das vias e estas, arborizadas; o que ele chama de “pulmão da cidade”. A cidade tinha como principal conceito o funcionalismo, e algumas diretrizes primeiras foram apontadas por Le Corbusier, como:
1. Descongestionamento do centro das cidades;
2. Aumento da densidade (densidade por zona);
3. Aumento dos meios de circulação;
4. Aumento das superfícies arborizadas.
Ela tinha que funcionar. Criticando as cidades oitocentista e novecentistas, onde uma “mistura funcional gerava numerosos problemas” (LAMAS, 1993), a urbanística moderna propunha uma macro setorização das principais funções da cidade baseada na cultura, espírito e no corpo. Estas zonas são: habitar, trabalhar, lazer e trafegar. A cidade foi tomada por vias de fluxo rápido. Tudo era pensado considerando o automóvel como novo regedor da nova forma urbana, como as dimensões dessas vias e a distância dos elementos zoneados. Este tomou conta da cena urbana, tornou-se seu protagonista. Notemos o exemplo de Brasília que foi construída em 60, expressando os ideais modernistas do CIAM e de Le Corbusier. Tal façanha de Lúcio Costa foi reconhecida mundialmente, e Brasília se tornou um Patrimônio Histórico da Humanidade em 87 pela UNESCO, devido a suas características Modernistas. Porém esse uso exacerbado do carro, a deixa ante-ecológica, e ajuda na degradação ambiental, conceito que é combatido na urbanística pós-moderna.
O capitalismo que outrora se estruturara, com a já comentada revolução industrial, passou a ser o modelo econômico dominante, criando a já referida cultura de massas. Essa era uma cultura “assistida” por milhares de pessoas, proporcionada pela proliferação do jornal e do rádio, que eram produzidos por uma mínima parcela desta sociedade. O que não compreende somente meios de comunicação, mas a industrialização de produtos e a massificação de serviços.
Os modernistas criaram um “protótipo habitacional” a “máquina de morar”. Padronizaram as habitações e estabeleceu-se o homem padrão, aquele que seria capaz de habitar em qualquer lugar que fosse. Le Corbusier criou o modulor, que seria o homem com as proporções perfeitas. A proposta de massificação de produtos era a proposta estética modernista. Um exemplo é o projeto para a Estação Central da Ville Contemporaine de Le Corbusier, onde podemos notar a padronização dos tipos de edifícios.
O homem realmente tornou-se uma máquina. Vejamos em um trecho do texto de Ricardo Ramos, “Circuito Fechado”, como funcionava essa rotina:
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo; pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maços de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos...(RICARDO RAMOS, 1978)
Não era como outrora onde o homem fazia parte do cenário urbano. O integrante social era somente reconhecido como consumista. Ele tinha que trabalhar para consumir os novos bens que eram lançados a público. Isso gerava uma rotina. O “homem máquina” tinha atitudes de uma máquina.
Aconteceu posteriormente a segunda grande guerra na década de 40. A possibilidade de execução dos anseios modernistas tornou-se possível, na recorrente necessidade de reconstrução das cidades destruídas pela guerra.
Várias especulações teóricas apontam o Modernismo como o período de nascimento de uma nova proposta estética, que nasceu de uma luta contra uma retomada de elementos estéticos históricos no Neoclassicismo. Mas também o da morte da estética arquitetônica, causada por sua massificação, com a defesa do conceito “menos é mais” de Mies Van der Rohe, onde se privava a arquitetura de todo e qualquer adorno. Conceito que foi confrontado com as teorias de Robert Venturi posteriormente, que alegava que “menos não é mais”, e trouxe novamente ao âmbito da arquitetura discussões voltadas à estética, experimentações espaciais, e a busca de uma nova plástica em arquitetura.
O espaço público no modernismo
O espaço público, por uma definição histórica, é caracterizado por uma mistura de três elementos: tráfego, comércio, e diálogo. Com a urbanização moderna houve uma ruptura desse conjunto. Houve uma fragmentação espacial. Lewis Monford aponta em seu livro A Cidade na História, alguns fatos importantes que caracterizavam a composição sócio-espacial dos períodos medievais até o surgimento do carro na urbanística do século XVIII. Ele diz que até então (renascimento), não havia segregação sócio-espacial. Todas as classes habitavam um mesmo núcleo urbano. Eram a pequena e a grande nobreza, e o pequeno e o grande clero em seus cavalos e carroças, esperando os homens livres passarem em sua frente com suas trouxas. Então o espaço público era utilizado por todos. Adentrando no Barroco, o carro entrou em cena como o modificador da morfologia preexistente, as vias se hierarquizaram, e a partir daí, as estratificações sociais se mostravam na composição espacial da cidade. Os edifícios mais exuberantes que eram dos nobres, margeavam as vias importantes que foram criadas como a Calle Mayor em Madri, que “rasgou” o preexistente traçado medieval no sentido leste-oeste, ligando dois edifícios importantes: o Royal Palace, e o hoje museu Del Plado. Os plebeus margeavam a periferia das cidades.
Com a afirmação da sedimentação deste espaço no modernismo, a cidade perdeu sua principal característica, o diálogo. Como coloca Brandão, a cidade é mais que um complexo de edifícios de uma determinada organização espacial, localizada em um determinado sítio. E de que um complexo social, econômico, político. A cidade perdeu seu aglomerante cultural. “Cremos ter demonstrado que a cidade é mais que um espaço físico, e o problema da qualidade de vida vai além da questão ambiental. A cidade é um espaço ético e a qualidade de vida é uma questão espiritual.” (BRANDÃO, 2001).
À medida que o comércio se deslocou para as galerias e shoppings centers, o tráfego foi caracterizado por vias de fluxo rápido, surgia uma questão: onde ficava o diálogo" Como ficava a troca de informação e idéias" Na mídia" “Desprovidas desse uso público maior, a cidade tem sido considerada apenas como valor de troca e circulação de mercadorias, não mais o lugar da festa e da troca de idéias.” (BRANDÃO, 2001). Então surgiu no seio da sociedade contemporânea, uma nova crise, a crise dos “não-lugares”. Este tema foi, e ainda é tratado por sociólogos, filósofos como Mercie Eliade, arquitetos como Reis-Alves, há fragmentos na literatura como vimos com Ricardo Ramos, e por fim, antropólogos como Marc Augé, que escreveu um livro com o título “Não-Lugares”. Ele trata os não-lugares, como aqueles espaços que não possuem identidade, não são relacionais ou históricos.
Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a supermodernidade é produtora de não-lugares...
(MARC AUGÉ, 1994).
Observemos o caso de Copenhague na Dinamarca, que na década de 60 estava totalmente tomada pelo carro, mas em 68 a principal via antiga da cidade foi convertida em via para pedestres, sendo um ponto de extrema importância para a retomada dos lugares nas décadas posteriores. Os edifícios que margeavam a via eram de uso comercial, e esta, era um lugar de encontro da cidade. Mas perdeu essa característica quando foi tomada pelo carro. Podemos perceber que houve uma retomada por parte do ser, do sentido de lugar, dando significado, e manutenção da história do espaço. Há uma necessidade de interação social por parte do ser.
Os novos espaços gerados a partir da fragmentação do espaço público, não podem ser considerados “espaço público” em sua plenitude. Inicialmente porque oferecem uma fragmentação social ideológica a partir da forma, materiais de construção e localização desses espaços, como os Shoppings centers, que são locados na malha urbana de acordo com uma intenção econômica da especulação imobiliária para atender a uma determinada camada social. Estes, de espaços públicos passam a ser espaços coletivos, que atendem uma determinada organização social. Logo, porque esses espaços são restritos à atuação direta e também a acessibilidade por todas as camadas sócias. À medida que estes não possuem características de uma determinada comunidade, ele é um espaço impessoal, tornando-se um não-lugar. Um espaço só poderá ser chamado de lugar, à medida que ele é apropriado de forma simbólica e física pelo ser. O Balé de Rua da cidade de Uberlândia, por exemplo, é conhecido no mundo todo, por ser uma iniciativa não governamental, e ter nascido de aglomerados sociais nos espaços públicos da cidade, que fundou uma nova ordem cultural da dança na região. E os graffitis, como os das ruas da Berlim e Paris, que já faz parte de sua história contemporânea, ou em Salvador, como exemplo brasileiro. Estas expressões que são denominadas de “arte de rua”, representam uma verdadeira atuação no espaço público e uma interação ser/espaço e ser/ser, dando significado e identidade ao espaço.
Em meados da década de 60, começou-se então, a notar que a cidade estava entrando em colapso. Espaços que eram, perderam a qualidade de ser. Tornaram-se vazios e obsoletos. A cidade estava vazia, quase morta. Na mesma década, houve uma retomada dos conceitos historicistas de apropriação espacial. Uma observação trazida por Jane Jacobs conscientizou aquela geração de urbanistas, de que havia uma necessidade de produção de novos espaços. Espaços que atenderiam às necessidades emergenciais, dando “respiro e alívio” para a cidade. Foi ela quem deu o brado de socorro pelas cidades norte-americanas, apontando a falta do que ela chama de, “olhos da rua”, que desempenhariam a função de sentinela na vizinhança, que estava se tornando cada vez mais alienada e marginalizada.
A arte também deu sua resposta a esses questionamentos. Artistas começaram a criticar esses espaços, trazendo à tona, uma preocupação global com o destino das cidades. George Segal é um exemplo, suas esculturas levam a arte até a sociedade, de uma forma sutil. Esculturas de pessoas agindo naturalmente são postas em espaços públicos, para fins de questionamento como a Gay Liberation de 1969, que é um conjunto de várias obras espalhadas por várias ruas e cidades. Ele faz parte da pop art, que aborda temas socias do período, como a industrialização de alimentos, os fast foods, a poluição visual dos outdoors, e etc. É necessariamente uma arte que abordava temas populares e para as camadas populares.
Logo novos artigos e livros trazendo esse velho/novo conceito, começaram a circular pela academia. Temos exemplos significativos de espaços produzidos nessa época. Hertzberger, por exemplo, que além de ter pensado e produzido espaços significativos, no que diz respeito a espaços públicos urbanos dialogando com espaços arquitetônicos, também teorizou as proposições desses espaços posteriormente.
Mas não podemos desconsiderar que a sociedade passou por transformações importantes nesse período. Transformação de cultura de massas para cultura das mídias, que compreende uma cultura de caráter efêmero, onde a sociedade possui acesso a diversos conteúdos ao mesmo tempo. Também caracterizado pelo integrante dessa cultura ser somente passivo, não interagindo na produção dos diversos conteúdos, mas manipulando-o. É onde surge o gravador e o vídeo K7, onde o integrante pode registrar uma matéria ou uma entrevista pela TV, e assistir quando quiser. Isso interferiu significativamente na apropriação dos espaços públicos, dando autonomia e alienação aos grupos familiares, fazendo com que estes prefiram ficar em casa, recebendo informações via meios de comunicação, ao sair e buscar essas informações no espaço urbano. Toda essa transformação na sociedade interfere significativamente nos modos de produção do espaço. Isso abordaremos no tópico a seguir.
Por uma retomada dos lugares na contemporaneidade
As teorias do urbanismo pós-moderno contradizem a setorização dos modernistas. Elas atestam que a cidade tem que oferecer ao homem movimento e não uma total alienação. Habermas contribuiu significativamente para a total reapropriação deste espaço quando escreveu em 62 “O espaço público”, onde trouxe reflexões referentes a uma apropriação contemporânea destes espaços, onde ele afirma que o domínio público é exterior à vida íntima e conjugal, lugar onde o ser pode expor e discutir suas idéias. Ele retoma aquele velho conceito de que a vida pública é mais importante que a vida individual. Apesar de suas reflexões serem voltadas a política, é perceptível uma preocupação com a vida da cidade em seu discurso. Habermas na Europa e Jacobs na América acenderam a no coração dos principais produtores dos espaços públicos, a chama do questionamento, especulação e aprimoramento de idéias, em sua atuação.
Observemos o caso de Córdoba na Argentina, onde o arquiteto Ángel Roca, nos anos 79-80, ofereceu uma proposta, de estruturação de espaços públicos espalhando-os por toda a cidade. Trazendo a característica de lugar, reestruturando os espaços preexistentes, para mais de 1,5 milhões de habitantes. Temos também o caso da Plaza de Carlos III el Nobre, em Olite, na Espanha em 89, onde de um traçado medieval, uma reordenação da praça trouxe novo significado ao espaço público. O largo foi pensado de forma a exaltar o Palácio Real dos Reis Navarros, então o arquiteto Francisco Beloqui direcionou o passeio a ele ordenando singelas árvores entrepostas por bancos exclusivamente desenhados para a ela.
Essa reestruturação aconteceu na Europa. Na América chegou algum tempo depois, aproximadamente na segunda metade da década de 90. Com a exceção dos Estados Unidos com a já referida Janes Jacobs.
Hoje os espaços públicos existem, mas não são apropriados, como eram no passado, antes do modernismo. É sobre isso que Ângelo Serpa aborda, quando diz que os espaços não só precisam existir, como também precisam ser acessíveis. Acessíveis não só no sentido de adequação espacial para um cadeirante ou um deficiente visual, mas no sentido de oferecer uma acessibilidade simbólica e ideológica, de ser um espaço convidativo. Talvez a falta de acessibilidade seja a causa dos espaços públicos estarem obsoletos, e um simples detalhe em sua composição pode mudar esse quadro. Talvez uma composição paisagística, uma determinada ordenação do piso, ou mesmo um largo como em Olite, podem ser determinantes em sua apropriação.
E esta reapropriação só se dará à medida que o espaço público passar por uma hierofanização; quando este espaço sofrer uma total reestruturação dos seus componentes característicos, e o ser se impor deixando-o o referencial, identitário e histórico.
A cidade contemporânea traz consigo, além de marcas; feridas abertas por uma urbanística tida como racional, que afetou nos usos e costumes do integrante social. Mas as crises sociais pós-modernas não acabam por ai, surge outro grande problema: a crise ambiental, que possivelmente será abordada em outra oportunidade.
Os urbanistas contemporâneos, com resposta a essa crise, apresentam uma nova proposta urbanística, e esta é fazer com que as “cidades cresçam pra dentro”, e não mais que seus limites sejam rompidos. Isso se daria, aumentando os níveis de adensamento; fazendo com que serviços e equipamentos estejam acessíveis ao pedestre, diminuindo as distâncias que outrora eram percorridas por automóveis. A premissa pós-moderna do urbanismo é tirar os carros das vias e os pedestres retomarem o espaço, que lhes foi tirado por esse dragão moderno.
Pedro Henrique Máximo Pereira é acadêmico de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Goiás e acadêmico de Artes Visuais pela Universidade de Brasília.