Em 2026, o curso de bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG) vai comemorar 20 anos de vida. Jovem, mas já repleto de histórias, ele representa um marco significativo no contexto audiovisual do estado, tanto em sua dimensão de pesquisa acadêmica quanto, e principalmente, na formação de profissionais de excelência que atuam no cenário local, nacional e internacional. A partir do curso, centenas de pessoas têm se dedicado a produzir cinema com gosto, cheiro e cor de Goiás, difundindo nossa cultura e sotaque através da mágica cinematográfica.
Para celebrar as conquistas e comemorar as duas décadas do curso, o CriaLab|UEG está realizando o projeto "Cinemas, Histórias e Laranjeiras". Até 2026, ele se propõe a colher depoimentos de egressos e egressas de destaque e de pessoas que ajudaram a construir o curso e apresentá-los na forma de entrevistas que serão publicadas nos sites institucionais da UEG e, ao final, reunidas em um e-book. Além disso, em 2026, o Projeto realizará o plantio de um pomar de laranjeiras na Unidade Universitária Goiânia-Laranjeiras, com uma árvore dedicada a cada turma. Confira a seguir a primeira entrevista da série, com a produtora, criadora, diretora e mãe Camila Nunes.
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A produtora, criadora e diretora Camila Nunes Rocha conversa conosco nas últimas semanas da gravidez. Magnólia está prestes a chegar para a alegria do final de ano, e Camila me conta que, demorássemos mais uns dias, talvez nem pudesse dar a entrevista. Mas a prosa acontece e logo estamos rememorando histórias de uma trajetória muito bem-sucedida na área do audiovisual. Graduada em Comunicação Social - com habilitação em Audiovisal pela UEG em 2015, Camila tem se destacado no cenário como idealizadora e diretora do Lanterna Mágica Festival Internacional de animação, entre outros projetos.
Cinemas, Histórias e Laranjeiras (CHL) - Camila, conta um pouco da sua trajetória até chegar ao curso. De onde você vem e como foi o processo até a escolha de Cinema e Audiovisual na UEG?
Camila Nunes Rocha - Eu sou baiana, nasci em Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, mas cresci em Luís Eduardo Magalhães, uma cidade no oeste da Bahia, muito próxima de Goiás. Em 2012, decidi me mudar para Goiânia para fazer faculdade. Na época, eu acreditava que queria seguir Jornalismo, na área de comunicação, mas durante o meu terceiro ano do ensino médio, minha mãe me mostrou uma daquelas revistas "Almanaque Abril" que falava sobre diferentes profissões. Ela viu o curso de Audiovisual e sugeriu que eu considerasse essa opção. Até então, eu nunca tinha ouvido falar sobre esse ramo, mas fiquei interessada. O curso parecia ser mais amplo, abrangendo rádio, TV, arte e fotografia. Então, decidi pesquisar mais a fundo.
Pesquisamos juntas e vimos que o curso de Audiovisual mais próximo estava em Goiânia. Eu já havia feito vestibular para Jornalismo em Brasília, mas, devido às condições financeiras dos meus pais, só poderia estudar em uma instituição estadual ou federal. Então, prestei vestibular para a UEG e fui aprovada. Só conheci Goiânia quando vim para fazer a matrícula. Na época, eu tinha 16 anos, entrei na faculdade e fiz 17 logo em seguida. Fui a caçula do curso e a aluna mais nova da universidade!
Você chegou aqui muito jovem, sem conhecer a cidade e com a responsabilidade de morar sozinha. Como foi essa experiência para você?
Foi uma experiência muito desafiadora. Eu vinha de uma cidade pequena, onde todos se conheciam. Goiânia era um ambiente completamente novo, com um estilo de vida muito diferente do meu. Luís Eduardo Magalhães é uma cidade voltada para o agronegócio, então a realidade de Goiânia era um contraste grande. Na minha cidade, se eu tivesse ficado, provavelmente teria feito um curso de Agronomia, Direito ou Administração. Mas, por sorte, minha mãe foi muito corajosa. Hoje que eu tenho uma filha e espero outra. Eu falo para ela, "como que ela conseguiu e teve coragem de deixar eu vir, com 16 anos, para uma cidade grande, um outro estado, fazer um curso?" Minha mãe e meu padrasto sempre me bancaram e falaram: “Você vai atrás dos estudos, que você realmente consegue o que você quer.” Quando a dona Cida Souza me deixou vir para cá, ela estava muito preocupada, pois era a primeira vez que eu moraria sozinha em uma cidade grande, em outro estado. Eu era muito nova, mas ela acreditava no poder da educação e sempre me dizia que, com os estudos, eu teria o que quisesse na vida.
E, no curso, como você encontrou o seu caminho? Como foi a sua decisão de focar na área de animação e produção?
No começo, eu não sabia exatamente o que queria. Eu sempre gostei de escrever e participar de projetos relacionados à criação e produção, mas só depois de começar a praticar que fui descobrindo o que realmente me atraía. E essa parte da história também volta para minha mãe! Quando minha mãe entendeu o que era produção, como que seria meu trabalho, ela me disse: “Você sempre fez isso, né? Tinha treino na escola, organizava negócios. Você que fazia essa organização. Estava aí articulando, fazendo com um e com o outro, coisa assim.” Então eu acho que essa habilidade, no meu caso, a habilidade da produção, sempre esteve em mim, sabe? Não só de conectar pessoas, mas também de fazer com que as coisas se tornem possíveis.
Durante o curso, participei de várias disciplinas e experimentei diferentes áreas. Trabalhei com som, mas percebi que a parte técnica não era para mim, apesar de ser fascinante. Também experimentei arte, mas senti que não era a minha vocação. Então, comecei a me envolver mais com a parte de produção, que sempre esteve presente na minha vida de forma natural, mesmo antes de entender o que um produtor faz de fato.
A produção é uma área ampla e dinâmica, com muitas possibilidades, e foi isso que me atraiu. No entanto, eu não sabia que isso se chamava "produção" até começar a entender melhor a função dentro do contexto do audiovisual. Durante o curso, pude aproveitar ao máximo todas as oportunidades, mas o trabalho de produção se destacou para mim, principalmente pela energia e pela necessidade de articular muitas coisas ao mesmo tempo.
E como você vê o papel da faculdade e da UEG nesse processo de descoberta? O que a universidade proporcionou para a sua formação?
A universidade foi fundamental para ampliar minha visão sobre o audiovisual e sobre o meu próprio trabalho. O curso me deu a base teórica e prática que eu precisava para explorar diversas áreas do audiovisual. O contato com professores e o envolvimento em projetos como o Cinecultura, além da participação em festivais, ajudaram a moldar minha compreensão crítica sobre cinema e sobre o papel do audiovisual na sociedade. Mesmo os aspectos mais teóricos, como história do cinema e análise de filmes clássicos, que na época pareciam irrelevantes, hoje fazem todo sentido e se conectam com o trabalho que realizo.
Eu acho que só tenho êxito na minha função como produtora porque na UEG eu pude experimentar todas as outras funções sem essa obrigação do mercado. Fiz arte, fiz som, tentei ser atriz, fui para a crítica, para o roteiro, tudo dentro da universidade. O mercado de trabalho nem sempre permite que você teste tantas coisas.
Durante o período de minha formação, participamos de vários projetos que foram bastante significativos. Por exemplo, criamos a Panorâmica Filmes - primeira empresa júnior do curso. Éramos uma distribuidora de filmes. Pegávamos os filmes dos alunos e inscrevíamos nos festivais. Não havia dinheiro para pagar por uma distribuidora naquela época. Havia outros cursos da UEG que tinham as empresas júniores, e a gente participava dos encontros. Lembro que tivemos a oportunidade de trabalhar em dois ou três curtas-metragens que se destacaram bastante. Conseguimos enviá-los para festivais nacionais e internacionais, o que foi uma experiência enriquecedora. Eu atuava na área de comunicação e relacionamento, mas havia outras funções nas quais também me envolvi. Mesmo sendo uma experiência intensa e desafiadora, posso afirmar que foi fundamental para minha formação.
Teve também uma matéria com a professora Alyne Fratari em que ela passou a seguinte tarefa: "façam um filme com o tema 'apaixonar-se'”. Apaixonar-se, pelo amor de Deus? E eu sempre tive uma dificuldade, assim, de expressar e de, realmente, eu nunca me vi como diretora. Eu pensei: “nossa, eu tenho muita dificuldade, não vou sair perguntando para as pessoas na rua o que é amor, não quero fazer um documentário. Também não vou inventar uma ficção. Eu vou para animação.” Então fiz uma animação de stop motion chamado “SPOPS de Paixão”, com recortezinhos de revista, e usei uma música do Tom Zé chamada “O amor é um rock”. Decidi entrar em contato com ele por e-mail, pedindo permissão para usá-la. Escrevi: “Oi, tudo bem? Sou universitária, fiz um videoclipe, será que posso usar sua música?” E não é que ele respondeu, autorizou e adorou a produção! Foi emocionante.
Depois, a professora montou uma banca para avaliar os projetos e chamou um profissional importante da área, o Bruno Pedrosa, e ele destacou meu trabalho, por ter ficado interessante, diferente e ter sido a única animação apresentada.
Fico muito feliz de voltar à unidade Laranjeiras e ver que está evoluindo, reformando, que está melhorando. Acho que a UEG entendeu a potência que realmente é o curso de Audiovisual. Porque é uma diversidade muito grande, é uma área muito ampla. Então, que bom que tem esses incentivos novos. Aí existe agora o Crialab|UEG, existe o Naufo. Enfim, eu fico muito feliz com esses incentivos.
Isso é muito interessante. Como você consegue transmitir esses aprendizados para as novas gerações? Como você utiliza o conhecimento adquirido na faculdade em sua prática profissional?
Uma das coisas que percebo é que o conhecimento adquirido na faculdade é sempre útil, mesmo que em um primeiro momento você não enxergue essa conexão. Ao trabalhar com oficinas para escolas públicas e professores, procurei transmitir esse conhecimento de forma acessível, mostrando o potencial do audiovisual para todas as áreas, desde a criação, até a produção e a divulgação. Além disso, a faculdade me ajudou a entender a importância do contexto cultural, histórico e social dentro de uma produção audiovisual, o que é fundamental para criar narrativas mais ricas e significativas.
Depois de me formar, pude aplicar muito do que aprendi em projetos de extensão, como as oficinas de introdução ao audiovisual para escolas públicas, especialmente aquelas ao redor da UEG. O projeto Telinha de Cinema, por exemplo, foi uma experiência incrível, pois me permitiu levar conhecimento audiovisual para comunidades que, muitas vezes, não têm acesso a esse tipo de formação.
Por exemplo, ao trabalhar com crianças e jovens, procuro envolver as questões culturais e sociais nos projetos que desenvolvemos, para que eles compreendam o poder do audiovisual como ferramenta de transformação e expressão. Cada experiência na universidade, por mais desafiadora que tenha sido, tem um impacto direto na forma como vejo o mundo e na maneira como compartilho esse conhecimento com os outros.
Acredito que todas essas vivências foram extremamente importantes, não apenas para contribuir com a minha visão estética sobre cinema e audiovisual, mas também para consolidar minha identificação com a animação. Encontrei na animação um espaço em que posso expressar minhas ideias de forma livre, sem as limitações que outros formatos podem apresentar. A animação me permite criar e realizar sem a necessidade de grandes orçamentos, algo que sempre foi um desafio no meu percurso.
Foi com essa visão que decidi criar o Festival de Cinema Lanterna Mágica, um projeto que começou em 2017 com a proposta de trazer filmes de animação de qualidade para Goiânia, além de oferecer uma programação gratuita para o público.
E quais os planos para o futuro?
Ao longo de todos esses anos, sempre tive a visão de internacionalizar o festival e de promover um intercâmbio cultural. Acredito que, ao crescer, devo levar minha equipe e as pessoas ao meu redor para crescerem juntas, como os alunos e monitores envolvidos. O sucesso de todos é mais importante do que o meu sucesso individual.
O cinema, muitas vezes, impõe uma dualidade: por um lado, há uma glamorização muito forte, com referências a Hollywood e ao Oscar, e por outro, a realidade dos bastidores é bem diferente, com jornadas de trabalho exaustivas e meses de planejamento. Essa contradição, no entanto, não me afastou do propósito de criar um impacto positivo na sociedade, principalmente através do festival. Levar cinema gratuito e de qualidade para crianças de escolas públicas, principalmente em uma sala de cinema como a do Cinex, com um ambiente VIP e estrutura de primeira linha, tem sido uma experiência transformadora. Esse tipo de ação é extremamente significativo, pois, de alguma forma, plantamos uma semente no imaginário delas.
Acredito que o cinema, assim como outras formas de arte, pode inspirar um futuro diferente, um futuro de criação e liberdade. O que tento mostrar a elas é que, embora o caminho não seja fácil, é mais belo e enriquecedor viver e trabalhar com a própria criação, com a expressão pessoal, ao invés de seguir um caminho automático, em que a pessoa apenas executa funções sem se engajar com suas próprias ideias.
Estou focando mais nos meus projetos, como o Lanterna Mágica e a série de animação “Ayla Violeta”, projetos que tenho desenvolvido com dedicação. Além disso, com a aprovação de nossos projetos em editais de cultura, consegui garantir que a equipe fosse bem remunerada, o que considero fundamental, principalmente quando se trabalha com recursos públicos. A responsabilidade com o dinheiro público é imensa, e acredito que é fundamental sempre devolver algo positivo para a sociedade.
Recentemente, fomos ao festival de animação de Annecy, na França, e tive a oportunidade de conhecer muitos profissionais renomados. A participação nesse festival foi uma experiência única para o Lanterna Mágica. O reconhecimento que obtivemos, inclusive por algumas pessoas que já conheciam o festival, foi uma surpresa gratificante.
Com relação ao futuro, continuamos a trabalhar para expandir nosso alcance e dar mais visibilidade ao nosso trabalho. Em 2025, planejamos mais uma participação em Annecy e, como parte desse processo, decidimos abrir uma vaga para um universitário. Esse estudante terá a oportunidade de aprender conosco, entender a dinâmica de produção de um festival e vivenciar a experiência de estar em um evento internacional de grande porte. O objetivo é que essa pessoa possa se desenvolver e, no futuro, ocupar um espaço importante na área.
Em suma, o que posso dizer sobre minha trajetória é que consegui desenvolver meus projetos e obter sucesso tanto na realização deles quanto na remuneração de todos os profissionais envolvidos. Acredito que a chave para o meu crescimento pessoal e profissional tem sido justamente fomentar o crescimento dos outros ao meu redor. Se eu estou crescendo, quero que todos cresçam comigo. Portanto, minha missão é abrir caminhos e oportunidades para aqueles que me acompanham.
Acompanhe as publicações de "Cinemas, Histórias e Laranjeiras" aqui.
Ficha técnica:
Universidade Estadual de Goiás - UEG
Bacharelado em Cinema e Audiovisual
CriaLab|UEG - Laboratório de Pesquisas Criativas e Inovação em Audiovisual
Reportagem: José Eduardo Umbelino
Identidade Visual: Isabela Fleury
Coordenação do Projeto de Extensão: Prof. Marcelo Costa
(Comunicação Setorial|UEG)