As apresentações da dança súcia e do Grupo Curraleira, da comunidade Kalunga Tinguizal, abriram a 144ª sessão solene do Conselho Superior Universitário da Universidade Estadual de Goiás (CSU|UEG), presidida pelo reitor Antonio Cruvinel Borges Neto e realizada na comunidade Kalunga Riachão, em Monte Alegre de Goiás, para homenagear a líder Procópia dos Santos Rosa com a entrega do título de Doutor Honoris Causa. Essa é a maior outorga que a Universidade concede a personalidades que tenham se distinguido pelo saber em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras e para o melhor entendimento entre os povos.
O processo de concessão do título à líder quilombola tramitou por quase um ano no Conselho Superior Universitário, passando por todos os ritos formais. Mesmo não tendo oportunidade de estudar, Dona Procópia rompeu os paradigmas da época em que as mulheres não podiam sair da comunidade e, a partir dos 50 anos de idade, começou sua luta em defesa do território Kalunga. Lutou contra o racismo e pelo empoderamento das mulheres, fatos que levaram os conselheiros a aprovarem, por unanimidade, a outorga do título à mulher simples que tem força junto a seu povo.
Em seu discurso, o reitor Antonio Cruvinel enalteceu a atuação de Procópia dos Santos Rosa junto à comunidade Kalunga. “Quando cheguei, alguém da comunidade me perguntou se eu tinha vindo formar Dona Procópia. Eu digo que nós é que somos formados por ela. A UEG se engrandece em entregar esse título a uma pessoa que formou centenas de pessoas com suas ações, que dedicou a vida ao que acreditava. Se cada um fizesse o que ela fez em sua comunidade, o mundo seria melhor”, salientou o reitor.
Antonio Cruvinel destacou ainda que a Universidade já formou mais de 100 mil pessoas e esse é apenas o 9º título dessa natureza que a Instituição entrega. “O título só é concedido a quem realmente merece e Dona Procópia tem grande merecimento”, garantiu.
Presentes na sessão, os prefeitos de Monte Alegre de Goiás, Felipe Campos, e de Cavalcante, Wilmar Costa, também falaram da mulher simples, forte e conhecedora dos direitos do seu povo. “Esse é um título que cabe a essa pessoa. Parabéns à UEG por reconhecer o valor dessa mulher de fibra”, disse Felipe Campos. “O Sítio Histórico do Patrimônio Cultural Kalunga está em festa. Temos que lutar por cada um dos direitos que nos negaram e Dona Procópia lutou muito junto com outras pessoas para buscar o que a comunidade precisava e era negado. Antes precisávamos de professores de fora e hoje temos mestres e doutores do Kalunga”, lembrou Wilmar Costa.
A neta Lourdes Fernandes de Souza, diretora das escolas estaduais da comunidade Kalunga, lembrou da luta do povo negro em busca da liberdade e do papel da sua avó no processo de melhoria de vida do povo Kalunga. “É com muito orgulho que recebemos essa honraria extraordinária, o primeiro título de Doutora Honoris Causa outorgado a uma mulher negra pela UEG”, disse.
Lourdes destacou que o título é precedido de outros gestos de grande impacto ou simbolismo que a UEG dirige à comunidade negra. “A concretização desse grande momento é a certeza de afirmação do marco histórico para o quilombo Kalunga e seu povo e o reconhecimento dos valores humanos, em especial uma matriarca de 89 anos, mulher negra, quilombola, que não teve oportunidade de estudar e mesmo assim, com coragem e fé, junto com outras lideranças, lutou fortemente contra o racismo e a discriminação do povo Kalunga”, lembrou.
A neta da homenageada aproveitou para agradecer ao coordenador da Unidade Universitária de Campos Belos, professor Luís Marles, ao professor Adelino Machado e ao servidor Marconi Moura de Lima Burum que propuseram o título a sua avó Procópia, assim como a todos que se mobilizaram para que esse momento se concretizasse.
A mensagem do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva foi transmitida por um áudio gravado pelo ex-ministro Gilberto Carvalho, que parabenizou a UEG pela iniciativa e sublinhou a importância de Procópia dos Santos Rosa como símbolo de luta do povo negro contra o racismo e a discriminação.
“O nome Procópia tem origem no vocabulário grego e significa levar adiante, fazer progredir, ganhar, prosperar. E, portanto, o nome utilizado para designar essa líder carismática irradia-nos de impulsão, de esperança e de fé, na possibilidade de atingir objetivos favoráveis à vida”, ressaltou o coordenador da UnU de Campos Belos, professor Luís Marles.
Com dificuldade de locomoção, sentada numa cadeira de rodas, ao receber a honraria a sra. Procópia agradeceu o título dizendo, que recebeu com alegria, e contou um pouco de como foi sua luta de vida em prol da comunidade em que é referência. “A união é tudo, porque se não fosse a união aqui não tinha nada. Hoje todos estão formando e quem esperava por isso? Isso aconteceu porque a gente correu atrás com união e na paz”, destacou a matriarca que fez questão de reforçar a mensagem de união. “Unam. Não deixe o Kalunga ir abaixo”, pediu a matriarca.
Presenças
Centenas de pessoas da comunidade Kalunga, bem como de Monte Alegre, Campos Belos, Teresina, Cavalcante, Arraias, Goiânia e Brasília marcaram presença na sessão solene. Entre elas, a superintendente da Mulher e da Igualdade Racial do Governo de Goiás, Rosilene Oliveira Guimarães; os prefeitos Felipe Campos, de Monte Alegre; Wilmar Costa, de Cavalcante; Cleverton Barbosa de Melo, de Teresina; Pablo Giovani Batista, de Campos Belos; Pedro Wilson, ex-reitor da PUC-GO e ex-prefeito de Goiânia; Fabiano Arantes, diretor do Câmpus Campos Belos do Instituto Federal Goiano; Djiby Mane, professor da UnB e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, representando as autoridades e personalidades que enviaram carta de apoio à concessão de título Doutor Honoris Causa; o procurador regional da República, Marlon Alberto Visher; as promotoras de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Rony Alves de Jesus, Cíntia Costa da Silva e Alessandra Elias de Queiroga; a defensora pública do Distrito Federal, Rita de Cássia Lima; e Saulo Dias dos Santos, representante da equipe de transição do Governo Federal eleito, entre outras.
Da Universidade Estadual de Goiás estiveram presentes a pró-reitora de Extensão e Assuntos Estudantis, professora Sandra Máscimo; os diretores Joílson dos Reis, do Instituto de Ciências Tecnológicas; Rodrigo Messias, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas; o coordenador do Câmpus Sul, professor Júlio Meira; e a coordenadora do Câmpus Cora Coralina, professora Débora Magalhães, além de coordenadores de unidades universitárias, professores, servidores técnico-administrativos e alunos.
História
Nascida no dia 10 de fevereiro de 1933, a líder Procópia dos Santos Rosa nasceu e vive na comunidade Kalunga, do lado direito do rio Paranã, no município de Monte Alegre de Goiás.
Com 89 anos, a matriarca é mãe de dois filhos, 12 netos, 70 bisnetos e 15 tataranetos.
Vivendo entre os morros, num lugar de difícil acesso, aos 50 anos a sra. Procópia dos Santos Rosa rompeu um costume da comunidade de que somente os homens podiam ir à cidade e foi pela primeira vez a Monte Alegre. Aos 60 conheceu a capital do estado.
Sua presença marcante a tornou líder do povo Kalunga. Lutou contra o racismo e conseguiu unir a comunidade para buscar benefícios como a titulação das terras, energia elétrica, escola e internet.
A atuação da líder quilombola fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) a indicasse para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, entre mil mulheres do mundo, sendo apenas 52 brasileiras. Mesmo não tendo levado o prêmio, a líder ressaltou a importância da indicação. “Fiquei muito feliz por levar o nome do Kalunga para o mundo todo”, destacou.
(Dirceu Pinheiro|Universidade Estadual de Goiás)