Hoje alguém me perguntou qual dessas duas formas é a correta.
Decidi, então, fazer uma pequena aula sobre esse conteúdo gramatical.
Na frase apresentada, a forma correta é “abstivermos”, porque é uma oração subordinada condicional. Então o verbo, dentro do contexto, deve ficar no futuro do subjuntivo (aquela forma conjugada com as conjunções “quando” (temporal) ou “se” (condicional).
Se nos abstivermos agora, perderemos nosso espaço.
Isso porque o verbo “abster” é derivado do verbo “ter” e segue o seu paradigma de conjugação. E não se diz “se nós termos” e sim “se nós tivermos”. Portanto também não se diz “se nós nos abstermos” e sim “se nós nos abstivermos”.
O verbo “ter” no futuro do subjuntivo:
Quando/se eu tiver
Quando/se tu tiveres
Quando/se ele tiver
Quando/se nós tivermos
Quando/se vós tiverdes
Quando/se eles tiverem
E agora o verbo “abster” (e com os pronomes, pois se trata de um verbo pronominal – aquele que vem acompanhado com os correspondentes pronomes pessoais átonos):
Quando/se eu me abstiver
Quando/se tu te abstiveres
Quando/se ele se abstiver
Quando/se nós nos abstivermos
Quando/se vós vos abstiverdes
Quando/se eles se abstiverem
Outros verbos que seguem o mesmo modelo (todos os derivados de “ter”): conter, deter, obter, manter, reter, etc.
Exemplos errados e corretos:
Certo | Errado | |
Se nos mantermos calmos, será melhor. Haverá desavenças, se não contermos os ânimos. |
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Mas esses verbos possuem também as formas da primeira coluna. Só que:
– Não no futuro do subjuntivo.
– Não com as conjunções “quando” e “se”.
– Não com as chamadas “orações desenvolvidas”.
– E sim com as “orações reduzidas” (aquelas construídas com as “formas nominais” do verbo: infinitivo (abster), gerúndio (abstendo) e particípio (abstido).
– E, no caso, oração reduzida de infinitivo. O verbo ficaria, então, no infinitivo pessoal (o infinitivo que vem com as pessoas verbais).
– Portanto as formas da primeira coluna só estão erradas se forem usadas em orações desenvolvidas, como nas frases dos exemplos (coluna da direita).
– Mas, em orações reduzidas, essas formas estão corretíssimas.
O verbo “ter” no infinitivo pessoal (nas gramáticas o infinitivo pessoal vem conjugado com os pronomes na frente – depois do verbo):
Ter eu
Teres tu
Ter ele
Termos nós
Terdes vós
Terem eles
E o “abster”:
Abster eu
Absteres tu
Abster ele
Abstermos nós
Absterdes vós
Absterem eles
Alguns exemplos de orações reduzidas com o infinitivo pessoal:
Ao nos mantermos calmos, conseguimos controlar os problemas.
A nos determos ante o primeiro golpe, estamos assumindo nosso fracasso.
A se conterem os ânimos, haverá paz no ambiente.
Sem querer eu compliquei a situação, ao me manter em silêncio.
Ao obterem o que queriam, eles se safaram.
Ao nos abstermos do voto, estamos fortalecendo situações negativas.
Ao nos abstermos agora, perdemos nosso espaço.
Observe que, em termos semânticos (de idéias, mensagem, significado, sentido), não há, nos exemplos apresentados, muita diferença entre as frases formadas com orações desenvolvidas e com orações reduzidas. A idéia de condição está presente tanto nas desenvolvidas quanto nas reduzidas – apenas atente-se para um detalhe: nas frases com orações desenvolvidas, por causa do subjuntivo (o modo verbal que expressa incerteza, dúvida, eventualidade), a idéia (no todo, abrangendo os demais verbos da frase) vem como uma possibilidade futura, enquanto que nas frases com as orações reduzidas (sem o subjuntivo) a idéia se apresenta como um fato certo e mesmo já consumado (mesmo porque, nos exemplos, alguns verbos da oração principal estão no presente ou no passado).
Então, a grande diferença no uso de “abstermos” e “abstivermos” é sintática – conforme a oração seja reduzida ou desenvolvida.
Nas orações reduzidas não há conjunções. As reduzidas ou não vêm encabeçadas por nenhum conectivo ou vêm iniciadas com preposições. Essa última situação é o caso das reduzidas apresentadas nos exemplos acima (sublinhadas). Elas começam com a preposição “a” (“a”, “ao”).
Por sua vez, as orações desenvolvidas, que começam com conjunções, exigem o verbo também “desenvolvido”, conjugado em algum tempo e modo (e não nas formas nominais).
É só isso. Simples assim. Porém, para compreender e dominar realmente esse conteúdo gramatical, é preciso saber essa diferença entre orações desenvolvidas e reduzidas. E também saber conjugar verbo, claro.
(Eu sou contra a teoria gramatical no ensino fundamental e médio. Mas alguma coisa deve ser vista. E um dos conteúdos necessários é a conjugação verbal. Por mim, os alunos conjugariam verbos até “cantando” – como antigamente)
Um esqueminha, para facilitar:
Observações:
– Nas orações desenvolvidas há outros tipos de conectivos, além das conjunções (mas isso fica para outra aula).
– As orações reduzidas nem sempre são iniciadas com preposições (mas isso também fica para outra vez).
– Um excelente livro (prático, fácil, útil) sobre verbos: Conjugação dos verbos em português, Maria Aparecida Ryan, Editora Ática. Ele apresenta todos os paradigmas de conjugação dos verbos em português (verbos regulares e irregulares). São mais de 90 paradigmas, que vêm enumerados e mostram (visivelmente) os verbos conjugados em todos os tempos e modos. E no final do livro há uma lista de 6.000 verbos em ordem alfabética, trazendo cada um o número do paradigma correspondente. Então é só buscar o modelo do verbo que se está consultando e seguir esse modelo. Muito bom o trabalho da autora. Vale a pena adquirir a obra – mesmo com o alto preço dos livros no Brasil (o livro custa quase R$ 40,00).