No último dia 24 de fevereiro, o professor Fabrício Barreto Teresa, docente do curso de Ciências Biológicas e do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais do Cerrado (Renac) da Universidade Estadual de Goiás (UEG), realizou um encontro com guias de pesca em Aruanã (GO) para compartilhar os primeiros resultados do monitoramento participativo da pesca realizado na região em 2024, como parte do Programa Araguaia Vivo 2030. Coordenador do subprojeto "Turismo e Pesca", o professor explica que o encontro marca o início de uma série de reuniões que serão realizadas também em São José dos Bandeirantes e Luiz Alves (GO) e São Félix do Araguaia (MT) ao longo do mês de março, representando um importante passo na devolutiva de dados científicos às comunidades locais.
O Araguaia Vivo, iniciativa multidisciplinar que reúne cientistas, estudantes, comunidades locais e diversas instituições de pesquisa, tem a UEG como um de seus principais protagonistas. Com 11 subprojetos em andamento, o programa busca gerar conhecimento científico e promover práticas sustentáveis que garantam a conservação do Rio Araguaia e o desenvolvimento das comunidades que dependem dele.
Para o monitoramento da pesca na região, são utilizadas duas abordagens complementares. A primeira consiste no trabalho direto da equipe de pesquisadores, que visita mensalmente os portos de Luiz Alves e Aruanã, principais pólos pesqueiros do Araguaia em Goiás. Durante quatro dias por mês, os pesquisadores entrevistam os pescadores que retornam das atividades, registrando informações como as espécies capturadas, o tempo gasto na captura e o número de pessoas envolvidas. Esse processo se repete mensalmente ao longo da temporada de pesca, que vai de março a outubro.
Ciência cidadã
A segunda abordagem, uma das principais inovações do projeto, é o monitoramento participativo. O trabalho envolve a colaboração de 50 guias de pesca das cidades de Aruanã, Luiz Alves, Bandeirantes e São Félix do Araguaia, que atuam diariamente e têm um conhecimento profundo da atividade. Por meio de reuniões com as comunidades locais, foi estabelecida uma rede de colaboração, na qual os guias passaram a registrar, em cadernetas, informações detalhadas sobre a pesca ao longo do ano. Essa metodologia, conhecida como ciência cidadã, amplia a abrangência dos dados, complementando as informações coletadas pelos pesquisadores nos portos.
"O Araguaia nunca teve um diagnóstico ou monitoramento sistemático sobre os peixes que são pescados na região. Por isso, decidimos preencher essa lacuna. Ao realizar esse monitoramento ano a ano, podemos identificar se as populações de peixes estão aumentando ou diminuindo. Esse acompanhamento é fundamental para o manejo sustentável da pesca. Imagine que, ao percebermos uma redução contínua no número de peixes, teremos dados concretos para apresentar aos órgãos ambientais e talvez propor medidas, como a regulação da pesca ou a criação de um ordenamento pesqueiro. Por outro lado, se os peixes estiverem aumentando, a pesca poderia continuar como está. A informação é essencial para a gestão responsável, e foi exatamente isso que buscamos: gerar dados para entender o que está sendo pescado no Araguaia, especialmente em Goiás”, explica o prof. Fabrício.
As informações coletadas ao longo de 2024 já revelam tendências importantes, como o tempo gasto para se pescar uma das espécies mais importantes da região, a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum). Outro achado relevante foi o registro significativo do rubinho (Aguarunichthys tocantinensis), espécie criticamente ameaçada de extinção, o que pode influenciar futuras políticas de conservação. Esses dados permitirão comparar os resultados com os do próximo ano e associar as variações nas populações de peixes a fatores ambientais, como assoreamento, mudanças climáticas e qualidade da água, que impactam diretamente na atividade de pesca.
Confira aqui o Volume 1 do Boletim da Pesca no Rio Araguaia, com os principais resultados do monitoramento.
Para o prof. Fabrício, a devolutiva às comunidades é um momento de grande valor. "Os guias se sentem empoderados e felizes ao ver que seus registros contribuem para a Ciência e para a gestão do rio", destaca. "Eu sempre estive acostumado a coletar peixes e levá-los para o laboratório para análise. O Araguaia Vivo está proporcionando a oportunidade de, além de trabalhar com as espécies, interagir diretamente com as comunidades. Isso tem sido extremamente enriquecedor. Não estamos apenas coletando informações, mas também aprendendo muito com eles e levando conhecimento”, avalia, enfatizando como isso tem impacto para a UEG. "Agora, eles nos veem como aliados. Antes, a universidade parecia distante, e quando chegamos, houve um certo desdém: 'Ah, esse pessoal vem aqui e some'. Mas hoje a interação é muito maior. Tratamos eles como parceiros, como pesquisadores. É a ciência cidadã em ação. Além disso, quando ocorrem problemas ambientais, como mortandade de peixes ou tartarugas, por exemplo, eles agora nos procuram para ajudar. Isso criou um canal direto de comunicação, o que tem sido fundamental”, afirma.
Turismo sustentável: estudos para diversificação da economia local
A segunda frente do subprojeto coordenado pelo prof. Fabrício Teresa é voltada ao turismo, segmento vital para a economia da região. No entanto, o turismo no Araguaia é marcado por uma forte sazonalidade: de março a outubro, a pesca esportiva atrai visitantes, enquanto no período de praias, o rio recebe uma ampla heterogeneidade de pessoas. “Quisemos traçar o perfil dos turistas, entender suas motivações, seus valores e seu comportamento em relação aos recursos naturais. Queríamos saber se eles interagem de forma positiva com o ambiente, se veem o rio apenas como um cenário ou se têm consciência da importância de preservar os peixes, a água, de cuidar do lixo. Para isso, no primeiro ano, aplicamos uma bateria de questionários nas cidades goianas do Vale do Araguaia, entrevistando os turistas para extrair todas essas informações. Agora, queremos fazer uma segmentação desses turistas. Com base nesses dados, vamos gerar um relatório para fornecer aos empreendedores e prefeituras informações que ajudem a direcionar campanhas de marketing, a oferta de recursos turísticos e a criação de atividades”, ressalta o professor.
As informações serão essenciais para que o turismo na região seja sustentável e alinhado às expectativas dos visitantes. Para reduzir a dependência da sazonalidade, o projeto está promovendo o turismo de vida selvagem, de forma a explorar a rica biodiversidade local, incluindo observação de aves, botos, entre outros animais.
O projeto busca como estratégia levar operadores de turismo com experiência no Pantanal, onde essa modalidade turística já é mais consolidada, para treinar guias e empreendedores da região. A primeira experiência de capacitação ocorreu em novembro do ano passado, com um curso realizado nas cidades de Luiz Alves e São Félix do Araguaia. Além disso, está em desenvolvimento um roteiro turístico-piloto que inclui observação de vida selvagem, experiências etnoculturais com comunidades indígenas e passeios fotográficos.
Próximos passos
Entre as próximas ações, está a valoração do Araguaia em termos de serviços ecossistêmicos. “Queremos atribuir valor econômico ao Araguaia, porque esse é um argumento forte quando buscamos chamar atenção para a importância do rio. Se o Araguaia vale tantos bilhões, degradá-lo significa perder um ativo valioso. Sabemos que não se trata apenas de dinheiro, mas, em negociações, esse tipo de argumento faz diferença. Queremos, por exemplo, valorar espécies como a piraíba, mostrando que, se a perdermos, perderemos bilhões, pois ela movimenta toda uma cadeia do turismo”, ressalta Fabrício.
A UEG desempenha um papel central no Programa Araguaia Vivo 2030, coordenando a maior parte dos subprojetos, que reúnem mais de 100 pesquisadores e 70 bolsistas.
O projeto tem impactado positivamente a formação acadêmica, com a criação de novas linhas de pesquisa na UEG, como a de pesca, e a inserção de estudantes em um ambiente rico em desafios socioambientais. "A UEG tem uma liderança natural quando o assunto envolve água. Agora, estamos aplicando esse conhecimento em ações que vão além da pesquisa básica, avançando para a pesquisa aplicada e a extensão. O Araguaia Vivo também se beneficia muito do conhecimento que a Universidade traz. Cerca de 25% da UEG está localizada na bacia do Araguaia, e se considerarmos a bacia Araguaia-Tocantins, esse número sobe para 50%. E o Araguaia Vivo não é um programa estático: desde que foi aprovado, tem agregado cada vez mais pessoas, ampliando seu impacto e alcance”, conclui o prof. Fabrício.
No subprojeto "Turismo e Pesca" estão envolvidos cinco bolsistas. Desses, três são alunos da UEG, enquanto os outros dois são moradores de Luiz Alves, o que fortalece a conexão com a comunidade local. Além disso, há dois estudantes de iniciação científica do curso de Ciências Biológicas e três estudantes de doutorado (Renac) participando das atividades.
Saiba mais
O Programa Araguaia Vivo 2030 é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e tem a gestão da Aliança Tropical de Pesquisa da Água (TWRA). Com 11 atividades interligadas, conta com a colaboração de 23 instituições de pesquisa públicas e privadas espalhadas pelo Brasil, com o objetivo de fortalecer a conexão entre Ciência, sociedade e políticas socioambientais.
(Comunicação Setorial|UEG)