Na noite de segunda-feira, 11, o cantor Marcelo Barra encerrou o primeiro dia do Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe|UEG) com um show que celebrou o Cerrado, suas belezas e tradições. O goiano apresentou clássicos como “Araguaia”, “Frutos da Terra” e “Cora Coralina”, além da tocante “SOS”, que aborda a devastação do bioma.
A apresentação foi intercalada por intervenções poéticas e reflexivas do prof. Cleumar de Oliveira Moreira, coordenador da Unidade Universitária de Inhumas da UEG, que destacou a abrangência da Universidade e seu caráter inclusivo e acolhedor. Em tom inspirador, Moreira chamou a atenção para os desafios socioambientais do Cerrado e ressaltou a “esperança” que Marcelo Barra “reverbera” com sua música. O público participou animadamente, cantando os refrões e transformando o auditório Deocleciano Moreira do Centro de Convenções de Anápolis em uma celebração da identidade goiana.
Antes do show, Marcelo Barra concedeu entrevista à Comunicação Setorial da UEG, destacando a importância da universidade na preservação ambiental e valorização da cultura regional. Com afeto pelo Cerrado, ele ressaltou o papel das instituições de ensino no preparo das novas gerações para os desafios socioambientais. Também falou sobre a responsabilidade como intérprete de “Frutos da Terra”, canção que menciona frutas típicas do Cerrado, hoje ameaçadas pela degradação ambiental, e sobre seu projeto “Marcelo Barra vai às escolas”, que leva a cultura goiana a crianças da rede básica de ensino. O cantor ainda revelou planos de lançar um álbum interpretando clássicos do cinema e expandir seu trabalho educativo para todo o estado. Confira a entrevista.
Comunicação Setorial – Considerando o clássico "Frutos da Terra", famoso na sua voz, e levando em conta que algumas frutas típicas mencionadas na canção já não são encontradas em várias regiões de Goiás, devido ao avanço da agropecuária, desmatamento e outras formas de degradação, qual, na sua avaliação, deve ser o papel da Universidade no enfrentamento desse problema?
Marcelo Barra – A Universidade, para o futuro, tem de preparar a meninada para isso. E lembrar do passado também. Alguns frutos, às vezes, você já nem encontra mais, mas é importante ter alguém para poder potencializar e dizer como era para essa meninada, que tem sido bombardeada por uma mídia muito diferente do que estamos falando aqui; uma mídia muito comercial. Eu entendo disso. Desde o começo da minha carreira, sempre entendi. Mas a minha ligação com Goiás é muito grande. Minha mãe é vilaboense, tenho meus avós vilaboenses, e eu vivi um pouco disso. Vivi um pouco de Cora Coralina, conheci a Cora, gravamos um vídeo com ela... Então, acho que a universidade faz esse contato com o passado e o futuro. Acho isso muito bonito e importante.
A UEG é uma universidade bastante interiorizada, com presença em todas as regiões do estado. Acha que isso contribui para a valorização do Cerrado?
Ah, eu acho que sim! E isso depende muito de vocês, que estão aqui dentro. A universidade sozinha não, mas desse pessoal, essa turma que está fazendo um congresso sobre o Cerrado. Essas coisas é que são importantes. Nas universidades, normalmente você abre o foco para muita coisa, mas esse foco da UEG é legal: falar em Cerrado e você lembrar da UEG! Eu gosto muito disso. Acho importante até como um marketing. Na nossa música fizemos muito isso. Eu sempre fui um cantor, desde o início da carreira – e eu poderia ter cantado muitas outras coisas –, mas o foco em Goiás me deixou uma marca.
Uma marca regionalizada?
É, regionalizada. E essa marca, mesmo que não seja de muito sucesso, é uma marca que fica. Há muitos anos ela está aí. E a UEG focar em preservação, em meio ambiente, Cerrado, chama atenção e liga a universidade a uma coisa nossa, mesmo que faça outras coisas – que, claro, a universidade sempre faz. Mas esse foco é legal: o congresso no Cerrado. Isso não vai ser esquecido!
Você sabe que há pessoas que conhecem algumas frutíferas do Cerrado de ouvir sua música, e muitas só por meio dela. Que peso isso tem para você?
A responsabilidade é muito grande, porque algumas músicas são minhas, mas tenho letristas que às vezes conhecem tudo e às vezes pesquisam também. Então, às vezes vem de um terceiro. E aí eu ponho a música, mas sempre falo que sou o comunicador dessa música – só uma passagem. Porque a música é, na verdade, muito fácil... Ela comercializa tudo isso, e fica mais fácil você chegar às pessoas. Entre o livro e o teatro, talvez a música seja a mais popular. Mas a responsabilidade é grande. Esses dias me perguntaram uma delas [exemplar de frutífera do Cerrado], e eu não me lembrava da fruta. “Puxa vida, como que era essa mesmo?”, eu disse. Mas não tem importância. Eu sou muito aberto nesse ponto. Sempre digo que nunca esgoto o assunto, porque é conhecimento, não é? Você tem de ser especialista em Cerrado, tem de estudar e tudo mais. A minha vida é mais de compositor; de levar para as pessoas e ver as crianças cantando “Frutos da Terra”, falando sobre o Araguaia, sobre a Cora...
E você desenvolve um projeto com crianças nas escolas.
Faço um projeto de escola há muitos anos, que é muito legal. Eu que criei o “Marcelo Barra vai às escolas”. Mas também não esgoto o assunto para não ser muito específico. O menino leva para casa fotos da Cora Coralina, alguns assuntos sobre goianidade, sobre folclore... Eu gosto muito dessa meninada dos 10 aos 14, 15 anos. É um pessoal que está começando a se interessar por essas coisas, e a gente vai aprendendo também. Eu consultei alguns historiadores antes de fazer esse projeto. Foi aí que eu aprendi, por exemplo, sobre folclore. Eu falo essa palavra há muito anos e não sabia que tinha vindo do inglês – folk –, de “povo”; e lore – “estudo”. Eu passo isso para os meninos, porque eles já estão estudando inglês, e eles acham muito legal. Estava comentando que eles me cobram muito: “Ô, tio Marcelo, você fala na sua música ‘catá piqui’, mas não é ‘pequi’, tio Marcelo?”. Eu já tinha essa informação também que, no tupi-guarani, “py” significa casca e “qui”, espinho. Então, é o fruto que tem a casca grossa e muito espinho.
Aí eu explico para os meninos: vocês podem falar “piqui” ou “pequi”, como é no português correto. Isso vai gerando aquela coisa: eles chegam em casa e comentam com os pais. São multiplicadores. Eu gosto muito de fazer [o projeto] em escolas públicas, porque o acesso aos teatros, aos nossos shows, é mais difícil para esses meninos. Então nós vamos até lá; é de graça para eles. Temos três shows por mês. É um show simples, com violão e voz e um pouco de playback, além desse pequeno papo com eles. É para sair de lá cantando “Eu sou goiano com muito orgulho, com muito amor” [risos]. Mas eles saem cantando as nossas músicas mesmo: “Catá piqui no Cerrado...”. Eu, com os letristas, sempre fizemos muito isso: damos a mensagem e gosto de colocar um refrãozinho, que é para segurar a música; para poder aprender. Do refrão a pessoa vai consultar o resto, como você estava falando: vamos ver quais são os outros frutos [do Cerrado]?
Já está praticamente convencionado que a música “Evidências”, do Chitãozinho e Xororó, é o hino informal brasileiro. “Frutos da Terra” poderia ser o hino de Goiás?
Ah, eu gostaria muito. Pode ser “Frutos da Terra”, “Araguaia”; pode ser “Saudade Brejeira”, que eu cantei, mas é de outro parceiro... Eu acho que tem muita música – não só minha, mas de muita gente – que poderia ser. Agora, a gente depende muito de mídia, do poder público também. De colocar isso para as escolas... Acho que é importante. Eu não tenho feito com o poder público essas coisas na escola, mas eu gostaria de fazer.
E quais são os projetos futuros?
Eu sempre tenho Goiás na minha mente. Qualquer movimento que existe, fazemos alguma coisa de Pirenópolis; gosto de falar do nosso jeito, alguma coisa sobre culinária... Tem uma música nossa sobre alfenim [doce tradicional da Cidade de Goiás] que nunca foi rodada, mas também tenho uma música do empadão. Goiás está sempre no foco, mas há algumas coisas como cantor que eu queria fazer. Morei um pouco lá fora e gostaria de fazer um disco de músicas internacionais famosas, de cinema.
Clássicos do cinema?
Clássicos. Eu sempre cantei em casa, tipo: “Smile though your heart is aching smile...” [cantarola um trecho da música Smile, escrita por Charles Chaplin para o filme “Tempos Modernos”]. Eu já tenho umas 20 músicas separadas, mas esse projeto não entra nessas leis nossas [de incentivo à cultura], por serem músicas americanas – e tem até razão, está certo. Por enquanto, o projeto está só na cabeça, mas vou fazer ainda. E o que mais? Esse projeto nas escolas também não abro mão. Gostaria até de aumentá-lo; levar para o estado inteiro. Hoje é só em Goiânia, por enquanto. Já fiz alguma coisa no interior, mas gostaria de fazer mais. Teríamos de ter uma estrutura maior para nos levar até as escolas do estado inteiro.
(Comunicação Setorial|UEG)