Na terceira entrevista do projeto Cinemas, Histórias e Laranjeiras, produção do CriaLab|UEG para comemorar os 20 anos do curso de Cinema e Audiovisual da UEG, conversamos com o professor, pesquisador e realizador audiovisual Maykon Rodrigues dos Anjos. Trabalhando desde 2019 com os usos e possibilidades do cinema em escolas públicas de Aparecida de Goiânia e Goiânia, Maykon foi o idealizador do projeto Jovens Cineastas, oferecendo aos alunos a primeira oportunidade de contato com o ensino de cinema e audiovisual, vivenciando a arte e a técnica e dando voz para suas narrativas e histórias. A trajetória de formação de Maykon demonstra como a presença da universidade pública pode transformar vidas e gerar ciclos virtuosos de desenvolvimento e difusão do conhecimento.
Cinemas, Histórias e Laranjeiras: Me conta um pouco como foi que você chegou ao curso de Cinema e Audiovisual da UEG.
Maykon Rodrigues: Sempre fui apaixonado por cinema, uma paixão que vem desde a minha infância. No entanto, foi durante a adolescência que tive a oportunidade de experimentar o audiovisual, e isso aconteceu justamente na escola. O ensino formal e público teve um papel fundamental em possibilitar que eu exercitasse esse hobby, que era o cinema. A UEG, por exemplo, foi importante nesse sentido, especialmente durante o meu percurso no ensino médio.
CHL: Então você teve contato com o curso de Cinema e Audiovisual da UEG ainda na adolescência?
MR: Sim. Em 2009, se não me engano, a UEG realizou um projeto especial nas escolas públicas de Goiás. Universitários de diversos cursos iam até as salas de aula para falar sobre suas profissões. Esse projeto chegou à minha escola, o Colégio Estadual Colina Azul, em Aparecida de Goiânia, e gerou uma grande mobilização. Entre as diversas atividades realizadas, uma oficina do curso de Cinema e Audiovisual chamou a minha atenção. Lembro de ter dito naquele momento: “Opa, é essa que eu quero fazer!”
Na época, eu tinha 15 ou 16 anos, e o curso de Cinema e Audiovisual ainda não tinha esse nome. Ele era denominado Comunicação Social - Audiovisual, um termo mais restrito. Tive a sorte de ter contato com essa oficina, na qual brincamos um pouco com a história do cinema, e a equipe trouxe uma câmera mini-DV. Formamos uma pequena equipe de produção, e eu fui o câmera, enquanto uma amiga ficou com a direção. Gravamos uma cena, que exibimos em sala de aula. Foi uma experiência simples, mas extremamente poderosa para mim naquele momento da minha vida.
CHL: Como essa experiência te influenciou?
Além da experimentação, essa experiência foi importante porque me fez perceber que existia um curso universitário na área de cinema. Isso me fez pensar que, talvez, eu poderia estudar cinema, algo que sempre sonhei e de que sempre gostei. Por volta dos 17 anos, comecei a considerar seriamente essa possibilidade. Embora tenha tido certa resistência interna, e cheguei a pensar em seguir por outros caminhos, o cinema sempre foi a minha escolha.
Além disso, a escola onde estudei também me convidou para ministrar algumas oficinas de produção audiovisual. Aos 17 anos, produzi um videoclipe enquanto ainda era aluno. A oportunidade surgiu com o convite da escola e dos professores, no contexto do primeiro Festival Intercolegial de Vídeo Ambiental da Cidade de Aparecida de Goiânia, o Fivac. Esse festival, que existe até hoje, oferece uma chance para escolas, especialmente as públicas, de produzirem trabalhos audiovisuais.
O convite foi para que os estudantes participassem e, com isso, reuni um grupo de amigos para experimentar. Como eu já tinha o hábito de fazer algumas atividades ligadas ao cinema, as pessoas sabiam do meu interesse e me apoiaram. Juntos, produzimos um videoclipe chamado "Thriller in the School", uma versão adaptada do famoso videoclipe de Michael Jackson para o ambiente escolar.
Tivemos acesso a horários e locais que, normalmente, como estudantes, não teríamos. Conseguimos filmar dentro da escola à noite, nos fins de semana e em períodos sem aula. A equipe se mobilizou intensamente, criando maquiagem e figurino, e o processo de produção foi bastante trabalhoso. No entanto, tivemos a autorização da escola e total liberdade criativa, o que foi essencial para o desenvolvimento do projeto.
Apresentamos esse videoclipe no Fivac e fomos premiados. Ganhamos três prêmios, incluindo o grande prêmio da noite.
Todo esse percurso como estudante foi muito importante para minha formação inicial. Depois da escola, tentei fazer outros cursos, mas continuava envolvido com oficinas de produção audiovisual. Fiz outro trabalho para o mesmo festival e ganhei novamente. Finalmente, apesar das minhas resistências, eu cedi. Falei: "Essa é a minha vocação. É algo que eu amo." Então, decidi tentar. Entrei no curso de Cinema e Audiovisual da UEG em 2016.
CHL: Sua trajetória esteve sempre voltada para a relação entre cinema e educação. Você percebeu isso logo cedo?
Na verdade, não! Durante o curso, eu ainda não tinha noção de que poderia haver esse encontro do cinema com a educação. Eu estava ali fazendo exercícios de linguagem, explorando a estética, trabalhando meu lado criativo. Mas alguns momentos começaram a me despertar para esse campo da educação.
Por exemplo, durante a disciplina da professora Júlia Mariano, que abordava Cinema e Educação, os debates e discussões me fizeram perceber esse caminho. Mas o momento de virada foi no meu Trabalho de Conclusão de Curso. O professor Marcelo Costa foi meu orientador, e eu pensei: "Tive uma experiência incrível quando estudante no ensino médio. E se eu propusesse essa mesma experiência para outros estudantes de escola pública?"
Assim nasceu o projeto Jovens Cineastas. A escola Centro de Ensino em Período Integral Nova Cidade (Cepi Nova Cidade) me apoiou completamente. Desenvolvi uma disciplina eletiva de Cinema e Audiovisual.
O resultado foi impressionante. Produzimos três filmes. Um deles, um documentário sobre o bairro Nova Cidade, fez muito sucesso. Foi produzido por uma equipe de mulheres, que pesquisaram e entrevistaram personagens importantes do bairro. A proposta sempre foi trabalhar com equipamentos acessíveis, como celulares, para tornar o audiovisual possível dentro da escola. Esse documentário participou de vários festivais pelo Brasil.
A banca do meu TCC contou com a professora Júlia Mariano e o professor Marcelo Costa. E o mais especial: os estudantes que participaram do projeto foram assistir à minha defesa. Foi um momento muito emocionante. Com o incentivo da professora Júlia, segui para o mestrado e depois para o doutorado, sempre investigando o audiovisual na educação.
CHL: Como é que você vê o interesse do aluno, do jovem, hoje, em relação ao cinema?
A questão pode ser analisada sob diversas perspectivas, pois é uma questão complexa. No entanto, de forma geral, é possível perceber que há uma grande demanda nas escolas, uma demanda urgente na educação atual. Muitos professores estão em busca de formas de criar aulas diferenciadas para seus estudantes e de integrar, de alguma maneira, o universo digital no ambiente escolar.
Atualmente, as escolas têm adotado diferentes abordagens para o ensino. Algumas iniciativas estão sendo desenvolvidas na área de cinema e audiovisual, com um foco artístico. A escola reconhece o potencial desse campo na formação dos estudantes, tanto do ponto de vista pedagógico quanto cidadão e profissional. Além disso, essa abordagem também permite uma análise crítica, especialmente no que diz respeito ao uso de celulares e da internet em sala de aula.
A questão que se coloca é: como lidar com esses dispositivos? Embora o uso de celulares seja proibido em muitas escolas, é fundamental que a educação esteja voltada para o uso consciente e crítico das tecnologias. Assim como é necessário desenvolver uma visão crítica sobre o que é transmitido na TV e no cinema — considerando que essas mídias não são neutras, mas carregam interpretações — também é importante que os estudantes aprendam a analisar as imagens e os conteúdos que consomem.
Esses dispositivos tecnológicos, que se tornaram quase uma extensão do corpo humano, precisam ser compreendidos e usados de forma adequada. Além disso, há uma grande necessidade entre os jovens de contar histórias, especialmente porque, durante a juventude, cada experiência nova desperta o desejo de compartilhá-la com os outros.
Nós, como seres humanos, somos contadores de histórias desde as pinturas rupestres, e essa necessidade de expressão continua presente. Para os jovens de hoje, isso não é diferente. Eles se expressam com facilidade por meio das câmeras e das plataformas digitais.
Esses jovens querem ser vistos, eles querem contar histórias. Querem se ver também na tela. Então, o audiovisual na escola chega como uma oportunidade para isso. E eles ficam encantados.
CHL: O que você diria para um jovem que está cursando Cinema e Audiovisual agora?
A universidade foi um momento importante de desenvolvimento, especialmente enquanto estudante. Para mim, foi crucial no sentido de diversificar meu repertório, tanto no que diz respeito ao que eu podia assistir quanto ao que eu podia ler. Foi também um momento de enriquecimento intelectual.
O que eu recomendaria para quem está nesse processo é que aproveitem ao máximo as oportunidades e experimentem tudo o que for possível. Além disso, sugiro que conversem com os professores. Os professores do curso de Cinema e Audiovisual, por exemplo, são pessoas incríveis, tanto do ponto de vista intelectual quanto pessoal. Eles são muito acessíveis e abertos, e essa aproximação é essencial para o desenvolvimento acadêmico e pessoal.
Eu tive uma relação muito próxima com meus professores. A professora Júlio Mariano e o professor Marcelo Costa, por exemplo, me acompanharam ao longo do meu percurso acadêmico e continuam me acompanhando até hoje. Essa continuidade no acompanhamento é algo valioso.
Esses vínculos são fundamentais. As pessoas que conhecemos nesse período se tornam parceiras, tanto profissionais quanto pessoais, e essas parcerias podem durar para toda a vida.
FICHA TÉCNICA:
Universidade Estadual de Goiás - UEG
Bacharelado em Cinema e Audiovisual
CriaLab|UEG - Laboratório de Pesquisas Criativas e Inovação em Audiovisual
Reportagem: José Eduardo Umbelino
Identidade Visual: Isabela Fleury
Coordenação do Projeto de Extensão: prof. Marcelo Costa