Recebo, numa quinta-feira qualquer, a informação que cabe a mim perfilar a profa. Arlete Freitas de Botelho, coordenadora do Câmpus Nordeste da UEG, em comemoração aos 25 anos da universidade. Como recém-chegado à instituição e ignorante das personalidades que construíram a UEG, esse nome, por si só, não me diz nada.
Mas essa impressão logo muda ao começar a ouvir os comentários dos colegas. Todos me contam da personalidade forte da professora. Fui alertado, por diferentes pessoas, em diferentes momentos, para falas duras, que às vezes soam como grosseria, mas que isso é só o “jeitinho Arlete de ser”. Pareciam querer me vacinar ou proteger do furacão Arlete.
Isso, por si só, já me desperta alguns sentimentos dúbios. Faço o primeiro contato com certa cautela. Fico surpreso com a receptividade e a prontidão em me receber em Formosa, cidade sede do Câmpus Nordeste. Mas já na troca de mensagens é possível ter uma amostra daquilo para o qual me alertaram. Nossa entrevista tinha hora certa para começar e para terminar e as mensagens vinham com uma série de recomendações para evitar atrasos.
No caminho entre Anápolis e Formosa, o motorista me adianta: “A professora Arlete é patrimônio da UEG”. O que quer dizer ser “patrimônio da UEG”? Fico com isso na cabeça. A minha preparação para a entrevista havia começado no currículo Lattes. Eu sabia que ela era pedagoga, geógrafa, professora e pesquisadora. Especialista em Formação Sócio-Econômica do Brasil e Docência do Ensino Superior; Mestra em Economia e Doutora em Educação. Mas há tanto que o Lattes não diz. Vou a Formosa com a missão de desvelar o patrimônio da UEG.
Chegamos em Formosa pelo menos uma hora antes do combinado. Foram tantos os avisos sobre atrasos e os alertas sobre a personalidade da professora, que preferimos não arriscar. Às 5h já estávamos na estrada. Pouco depois de estacionarmos, surge o carro da profa. Arlete. Sob uma fina chuva, ela sai do carro carregando um punhado de garrafas vazias e sua bolsa. Reclama de si mesmo por ter esquecido a agenda. Ao saudar os servidores do local, já entrega as garrafas para serem enchidas com água destilada do laboratório de química e solicita que seja retirado o excesso da água da chuva do corredor. Não queria que alguém ali escorregasse e se machucasse.
Somos convidados a seguí-la até sua sala. No trajeto, ela identifica uma parede que necessita de manutenção e já ordena o reparo. Mais a frente, uma sargenta da Polícia Militar aguarda a chegada da profa. Arlete e, ao vê-la, a saúda com entusiasmo. Estava ali para solicitar o uso do auditório do Câmpus para a realização de um evento do colégio militar, ao que a professora prontamente autoriza.
Na conversa, conta com orgulho que o capitão e comandante da PM em Formosa é egresso da UEG. A sargenta complementa dizendo que ela também é, havia cursado Gestão Pública. Os olhos de profa. Arlete brilham ao poder dizer que a universidade contribui diretamente na formação da comunidade local.
Chegando na porta da sua sala, ela identifica que um relógio de parede, localizado logo acima da porta, está parado. Interpola uma funcionária solicitando a troca das pilhas. Ao saber que já foram substituídas, questiona o porquê de o relógio estar ali mesmo sem funcionar. Relógio que atrasa, não adianta.
Entramos na sala e aguardamos a montagem do equipamento de captação do áudio. Ela percebe um quadro desalinhado e imediatamente o retira, bradando que quem limpa a sala deve ter mexido nos quadros. Nesse momento, eu já não sabia o que pensar. Minhas primeiras impressões não são de uma pessoa necessariamente grossa, mas de uma pessoa incisiva e resoluta. Certamente, trata-se alguém que não deixa para depois o que pode ser resolvido agora.
Na conversa preliminar, antes da gravação, ela questiona sobre o motivo de ter sido uma das escolhidas para o perfil. Ela não se sente merecedora de tamanha honra, ao mesmo tempo que se identifica como “patrimônio histórico da UEG”, em função dos seus 30 anos de universidade. Escuto novamente essa descrição da Arlete, dessa vez pela própria professora. Guardo esse pensamento.
Disse que um dia só seria insuficiente para que ela contasse toda a história. Que teríamos que escolher sobre o que conversar. Ela tinha razão, não é possível resumir 30 anos de história em duas horas de conversas sem deixar de lado algum ponto.
Ao apertar o rec, ela inicia contando a sua trajetória. Não escondeu nenhum detalhe. Conta de quando era professora no Distrito Federal nos anos 70 e como uma viagem à Chapada Diamantina a fez querer estudar geografia. Começava aí a sua relação com a UEG, à época, Faculdade de Educação, Ciências e Letras Ilmosa Saad Fayad (Feclisf), de Formosa.
Arlete começa sua história na UEG não como professora, mas como aluna. Ela entrou no curso de licenciatura em Geografia, em 1991. Em função da sua formação anterior em Pedagogia, foi convidada a compartilhar seus conhecimentos na disciplina de Psicologia da Educação, como monitora. Caso não aceitasse, não haveria formandos naquela turma; não havia, à época, professores na faculdade para esta cadeira. Logo foi admitida para o quadro permanente de docentes, em 1995, e assumiu a coordenação do curso de Geografia, em 1998.
Em 2000, pouco tempo depois da lei de criação da universidade, foi apontada pelos colegas como diretora do câmpus. Ela conta que não era da sua vontade, mas os colegas já viam nela o perfil de gestora necessário para a condução das atividades. Nesse momento, seu pulso firme e a personalidade forte eram fundamentais para a organização de uma instituição nascente. E por conta de seu trabalho bem executado, é reconduzida ao cargo de diretora. Não só é reconduzida, como convidada a assumir uma nova pró-reitoria na Administração Central.
Inicialmente, ela reluta em aceitar o convite. O aceite veio mais de um ano depois, após muita insistência e do apoio incondicional do marido. Então se mudou para Anápolis em 2005 para assumir a Pró-Reitoria de Administração. Nessa função, foi responsável por organizar a instituição administrativamente, unificando os setores de recursos humanos, financeiro, tecnologia e infraestrutura.
Aqui é possível identificar uma tendência na vida profissional da profa. Arlete. Os cargos que ocupou nunca partiram de um desejo pessoal. Não foi o seu planejamento ou vontade que a fizeram assumir o cargo de monitora, diretora, depois de pró-reitora. As pessoas ao seu redor enxergavam nela uma gestora forte e competente, talvez até mesmo quando nem ela enxergava.
Em 2012, se afastou da UEG para fazer o seu doutorado, mas a UEG não se afastou dela. Sua tese é focada nas intencionalidades e efeitos da autoavaliação institucional na gestão de uma universidade multicampi, justamente a UEG. Seu trabalho de campo a fez percorrer diversas unidades da universidade, totalizando 6.800 km. Mesmo licenciada, a universidade continuou a ser sua segunda casa. Poucas pessoas tiveram a oportunidade de vivenciar e estudar a UEG tão a fundo.
“No dia que a UEG tiver esse reconhecimento, você pode estar certo que a profa. Arlete terá o seu maior sonho realizado.”
Ao final da entrevista, pergunto quais são as suas projeções para os próximos 25 anos da UEG e o que ela gostaria de ver na universidade. Nesse momento a mulher forte se desarma e, com lágrimas nos olhos, diz que gostaria de ver reconhecimento. É nítido como um girassol seu amor pela universidade, e ela afirma categoricamente que “no dia que a UEG tiver esse reconhecimento, você pode estar certo que a profa. Arlete terá o seu maior sonho realizado.”
A professora enxuga as lágrimas, nós desligamos os equipamentos e pedimos para tirar algumas fotos. Ela vai até o espelho, se recompõe e ajeita o cabelo. Tiramos as fotos. Ela faz questão de me mostrar a medalha que recebeu do exército brasileiro. Me mostra também outras honrarias que recebeu. Todas em homenagem aos “excelentes trabalhos prestados à educação.”
Saímos da sala e ela parece frustrada com a chuva insistente que cai em Formosa, queria me mostrar cada canto do câmpus. Me leva até a biblioteca, me apresenta nominalmente os estagiários. Ela conhece cada pessoa ali.
A chuva dá uma amainada e ela decide que vale a pena se molhar um pouquinho para me mostrar o auditório. O local, que comporta 250 pessoas, foi idealizado por ela em sua primeira gestão, ainda no início dos anos 2000. Seu maior orgulho é ter finalizado e entregue a obra. Ela levantou os recursos e certificou-se que o Câmpus Formosa teria esse espaço. Mais a frente, me mostra também a casa dos professores, outro espaço do qual enche o peito para dizer que realizou.
É evidente o seu amor pela UEG, tanto nas palavras quanto nas ações. É uma vida toda dedicada a servir a universidade. A nossa conversa é toda muito agradável e o que eu vejo não é uma pessoa ríspida ou autoritária, mas uma pessoa que tem propósito no trabalho e que não mede esforços para conseguir o que quer.
No caminho de volta para Anápolis reflito sobre o que escrever neste perfil. Mas ao escrever, percebo que não é necessário escolher palavras, já havia sido revelado para mim. A professora Arlete é, acima de tudo, patrimônio da UEG.