por Jarbas Silva Marques
No dia 17 de janeiro de 1959, precisamente às 11h30, o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o engenheiro Israel Pinheiro e os diretores da Novacap Íris Meinberg e Ernesto Silva retiraram da Igreja Nossa Senhora de Fátima a urna funerária com o corpo do engenheiro Bernardo Sayão Carvalho de Araújo para ser sepultado no Campo da Esperança, acompanhado de milhares de candangos que com ele trabalharam e conviveram desde 1956.
Por uma coincidência metafísica no dia 17 de dezembro de 2008 — portanto 49 anos e onze meses — antes do cinqüentenário do sepultamento de Bernardo Sayão, era sepultado também no Campo da Esperança o coronel-aviador Henrique Thomaz, o primeiro piloto da Força Aérea Brasileira a ser brevetado como piloto de helicóptero, e que era piloto do Presidente Juscelino Kubitschek, e quem no dia 15 de janeiro de 1959 socorreu Sayão na Frente Sul da Belém-Brasília e que antes de chegar a Açailândia, no Pará, faleceu no helicóptero pilotado pelo então capitão Thomaz.
O então capitão Thomaz tinha se deslocado para Açailândia no Escalão Precursor para preparar a inauguração da Rodovia Belém-Brasília no dia 1º de fevereiro de 1959 pelo presidente Juscelino Kubitschek.
No Campo da Esperança o presidente JK fez um discurso emocionado: “Aqui vim dizer adeus a Bernardo Sayão morto no campo de honra, morto na batalha em favor de um novo Brasil. Mas a glória começa exatamente na hora que ele deixa este mundo.” Em seguida JK declinou a competência profissional e o patriotismo de Sayão, encerrando seu discurso pedindo que “Deus guarde em sua paz este homem, semente da pátria de amanhã, que ele ajudou a erguer.”
A Saga — Ao longo da história universal, alguns líderes assumem papéis que os tornam exemplos constantes para a posteridade, ou símbolos de atitude marcantes. Numa dessas vertentes, assim o foi Átila, o Rei dos Hunos. Dele se disse — e o sabemos pela vulgarização da história — que por onde passassem um de seus cavalos não mais nasceria capim, tal a onda de violência que suas tropas deixaram no continente europeu.
Já Bernardo Sayão é um desses homens que ficaram na história como exemplo de seu povo, pelo trabalho, idealismo, desprendimento, abnegação e pela consciência de que o Brasil — como País e Nação — necessitava, para progredir, garantir os espaços e as fronteiras conquistadas ao longo de cinco séculos. Sayão, inverso do Rei dos Hunos, foi um “Átila Benfazejo”. Onde pisou esse carioca, nascido na Tijuca, não nasceu mais capim — nasceram estradas e cidades.
Sayão muitas vezes fora alertado pelos trabalhadores ao longo de três décadas nos sertões de Goiás: “Doutor Sayão, o Curupira mata quem invade a floresta. Ele é o senhor das matas e pode matar o senhor que vive abrindo estradas e fazendo cidades nos seus domínios”.
Ao ouvir as falas dos caboclos, Sayão abria o sorriso largo que o caracterizou e não dizia nada. Respeitava o calor humano dos operários, com os quais compartilhava a mesma comida, o mesmo desconforto, sem jamais ironizar as suas crendices nas lendas indígenas tão comuns no interior brasileiro.
Na tarde do dia 15 de janeiro de 1959, quando em plena floresta amazônica, redigia pedidos de urgência para o abastecimento das frentes de penetração que, vindas de Belém e de Brasília, iriam se unir formando a estrada Belém-Brasília, caiu em cima de sua barraca um imenso galho de uma árvore.
Cumpria-se a maldição do Curupira. Da imensa árvore onde armara a seus pés uma barraca, caiu um galho que afundou todo o lado esquerdo do crânio de Sayão, quebrando também todo o lado esquerdo de seu corpo, com fraturas expostas.
O pânico se espalhou no acampamento na selva do Pará. A única comunicação era através de aviões. Poucos minutos após a queda da árvore, um avião Cesna, que, rotineiramente, patrulhava as frentes de trabalho, sobrevoou o local. Os operários gritavam desesperados, na esperança de uma imagem significativa, começaram a retirar suas camisas e formaram uma enorme cruz branca no meio da mata, na esperança de que o piloto a visse e providenciasse socorro.
Assim que o piloto aterrissou em Açailândia, comunicou o que vira. O único meio de chegar ao local era de helicóptero. Contudo, o helicóptero estava com as horas de vôo vencidas. Mesmo assim, o então capitão Thomaz — um dos aviadores de Juscelino Kubitschek — levantou vôo em direção à frente sul, comandada por Bernardo Sayão.
Sayão agonizava. Sua imensa resistência física, advinda desde a infância, quando fugia das aulas e ia escalar o Morro das Duas Pedras, em Friburgo, passando pela ponta-esquerda do time de futebol da Escola de Agronomia de Piracicaba, até o Botafogo do Rio de Janeiro, onde foi campeão carioca de remo, fez com que, mesmo com todo o corpo sangrando e macerado, resistisse à morte por cinco horas.
Como diz o povo: “Notícia boa vem a pé, e a ruim vem a cavalo”. Como que num passe de mágica, os acampamentos, vilarejos e cidades plantadas por Sayão, souberam de sua morte. Muitos não acreditaram. “Não é possível, o Doutor Sayão não pode ter morrido”. Ainda hoje, decorridos 50 anos de sua morte, há quem não acredite que ela se deu de acordo com o fato. Com a morte de Bernardo Sayão Carvalho de Araújo, talvez tenha desaparecido no Brasil a figura do homem público intimamente ligado ao povo, respeitado e amado por ele, principalmente, nos momentos atuais em que as elites dominantes têm entregado as riquezas e a soberania nacional à voragem estrangeira e ao capital internacional.
De uma energia física infatigável, ele impôs ao longo de sua vida pública, uma liderança presente, sem ser autoritária. Aqueles que não conseguiam acompanhar seu ritmo de trabalho, tinham liberdade para o declarar, e nunca se soube (pelos depoimentos que colhi) de quem quer que seja, que Sayão tenha-se dirigido com palavras grosseiras ou humilhantes. O seu desprendimento pessoal espelha-se no legado financeiro e econômico que deixou para a família: quase nada. Sua companheira de lutas e batalhas nas matas e cerrados do interior brasileiro, recebia aos 82 anos de idade, uma pensão de três salários mínimos.
Hilda Fontenele Cabral Sayão foi a companheira de todas as horas a partir do dia 26 de abril de 1941, quando casou-se com Bernardo Sayão. Poucas horas depois de casados, embarcavam no carro de Sayão com destino a Goiás, onde se fixaram até 1950. Durante 18 anos partilhou das lutas, das tristezas e dos sonhos do “Plantador de Cidades e Estradas”, no dizer do jornalista Walter Friedman. A chegada do casal à beira do Rio das Almas, onde Sayão iria implantar a colônia, retrata esse desprendimento. É ela quem conta: “Chegamos na margem do Rio das Almas e ele me disse, apontando para a mata do outro lado: ´Ali vai ser a nossa casa´. Em seguida, colocou a faca na boca e nadou até o outro lado do rio para escolher o local onde mais tarde, realmente, construiu a nossa casa na colônia”.
Discrição dos Herdeiros — Esse poder de contagiar as pessoas com as coisas que idealizava seria a constante na vida de Sayão. Das pessoas que cristalizaram a herança dos sonhos e ideais de Bernardo Sayão, procuramos duas que são fundamentais: sua esposa Hilda e o trabalhador e administrador de sua maior confiança, Mário de Sena Braga, que o conheceu na colônia agrícola em Ceres, e iria ser o seu “Sargento Garcia” até a morte. Ambos eram arredios a qualquer tipo de publicidade, como que em respeito ao homem que marcou profundamente suas vidas. Como fiéis depositários de uma história ainda não escrita minimizam suas participações em fatos de importância para a história de Brasília e do País.
Segundo Mário Braga — que aos 14 anos de idade começou a trabalhar com Sayão — “ele não tinha medo de morrer”. “Naquele tempo em que iniciamos a puxar estradas e a levantar pontes em Goiás, até a construção da Belém-Brasília, a gente, além de avançar por terra, também voava muito, ainda por cima nos teco-tecos mais acabados, maneira mais rápida de se chegar às frentes de penetração nas matas. Só fazíamos campos de aviação quando havia necessidade de se fazer acampamentos. Geralmente, doutor Bernardo sobrevoava a estrada e eu providenciava o alargamento para o aviãozinho aterrissar. Depois de 15 a 20 minutos sobrevoando o local, ele baixava”.
Segundo Mário Braga, Bernardo Sayão trabalhava incansavelmente: “Em 15 anos de trabalho ao seu lado, só o vi sem trabalhar uma vez na vida, foi em Miracema. A gente estava preparando a ´ligação´ (as duas frentes da Belém-Brasília que iriam se encontrar) e estávamos no acampamento esperando o avião ir abastecer em Miracema, quando de uma choça saiu um menino e disse que lá tinha um homem muito doente. Entramos na choça e vimos um homem em carne viva, com fogo-selvagem. O homem e sua família tinham fome. Ele tirou um queijo e os pães que trazia num saco e deu para eles. Foi quando me disse: ´Sabe, Mário, onde a gente colocar um pneu, o progresso chega. Se não viéssemos até aqui, este homem morreria!´. Quando o avião chegou, tiramos os bancos e colocamos o homem. Em seguida, doutor Sayão deu um bilhete ao piloto e mandou que levasse o doente até o hospital do Pênfigo, em Goiânia, e procurasse o doutor Anuar Auad. Ficamos três dias no mato comendo arroz e leite de mangaba até que o avião retornasse de Goiânia. Foi essa a única vez que o vi sem trabalhar”.
Da simplicidade de Sayão, mesmo em altas funções, Mário Braga contou-nos um episódio de quando ele exercia o cargo de governador do Estado de Goiás, em 1955: “Ele ficou enfezado com um gravatinha do Palácio das Esmeraldas que achou deselegante o governador abandonar o motorista e o carro de luxo que tinha direito como governador, e ele mesmo dirigir um Jeep, que era o veículo que mais gostava”.
A honestidade seria um dos aspectos mais importantes desse homem que teve o poder e foi o poder. Seus filhos, que o acompanhavam em todas as empreitadas pelo Brasil afora, só conheceram um caso de uso de influência. É Lia Sayão quem conta: “O papai gostava muito de cinema. Ele achava que para que Brasília pudesse ser construída e consolidada, todos os engenheiros e trabalhadores tinham que trazer suas famílias para morar aqui. Nós fomos a primeira família a morar em Brasília. Nossa casa era de duratex, no Núcleo Bandeirante, numa rua em que ele botou uma placa: ´Rua do Sossego´. Depois, ele construiu a escola e lutou para que se fizesse um cinema. Quando o cinema foi feito, toda vez que ele chegava do mato a gente ia ao cinema toda noite. O dono do cinema não cobrava da gente. Então, os nossos colegas, todos crianças, iam com a gente. Era aquele mundo de meninos, e mais os que conheciam papai e ficavam perto do cinema esperando. Aí ele chegava para o porteiro e dizia: ´Esse tá comigo... esse também tá comigo´, e assim por diante. De repente, o cinema ficava cheio de meninos, todos convidados por ele, que construiu o cinema com madeira usada para enformar os concretos dos prédios já construídos”. Religioso, é de Sayão a primeira construção de argamassa de Brasília, a Ermida de Dom Bosco, no Lago Sul. Assim era o homem.
Vocação Administrativa — A primeira fase da vida profissional de Bernardo Sayão é desconhecida e não contou com a participação de seus familiares mais próximos. Foi a fase em que, recém-formado como engenheiro-agrônomo, vai organizar e dirigir fazendas de café no Paraná. Mas é alguns anos mais tarde que suas atividades profissionais vão marcá-lo, e identificá-lo com um período, significativo da história nacional.
Após a revolução de 1930 o país sofre uma mudança na política do Estado, agora voltado para uma visão industrial, aliada à necessidade de contar com uma agricultura comercial sem a predominância da monocultura. O Brasil estava em ebulição nos seus aspectos políticos formais e político-ideológicos, agitado pela crise monetária e financeira de 1929 nos Estados Unidos e na Europa e que iria desembocar na eclosão da 2ª Guerra Mundial. O Nazismo, com sua pregação belicista, reivindicava o “Lebensraum” — a teoria militarista do “Espaço Vital”.
Com a crise europeia, o fluxo de imigrantes europeus cessara, reforçando, da parte de Getúlio Vargas, a implantação e a divulgação de uma nova política, com ênfase na ocupação de espaços através das migrações internas. Manifestam-se vários segmentos da sociedade e grupos de interesse na organização de suas intenções políticas. Dentro das Forças Armadas, duas linhas de influência se delineiam. De um lado, os reflexos da Coluna Prestes e do tenentismo com as alianças políticas com os democratas, liberais, nacionalistas e comunistas, em defesa da integridade nacional; e do outro, a corrente integralista capitaneada por Goes Monteiro, Eurico Dutra, Gustavo Barroso e Plínio Salgado, vislumbrando impossibilitar ao Movimento Sionista Internacional a formação de um Estado Judeu ao norte da Argentina, portanto, limítrofe de Mato Grosso e do então Território do Guaporé, com escassa densidade populacional.
O Estado Novo configura-se como instrumento de sustentação no poder de uma emergente burguesia industrial e, em 1938, é anunciada a “Marcha para Oeste” com a qual o governo proclamava buscar a ocupação territorial da região Centro-Oeste, redirecionando a migração interna através de programas que criassem colônias agrícolas para pequenas e médias propriedades rurais, espantando-se o medo pânico dos nazi-fascistas da criação do Estado judeu limítrofe a Mato Grosso, e atendendo as exigências para criar e ampliar um mercado interno no país. Durante o período, as ações voltadas para a ocupação e a colonização se efetivaram de várias maneiras. Foram criados o Plano Nacional de Viação, a Expedição Roncador-Xingu, a Fundação Brasil-Central, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho de Imigração e Colonização.
Getúlio Vargas, em conversa com Luiz Simões Lopes, seu oficial de gabinete, diz do seu plano de operacionalizar a colonização agrícola no interior brasileiro, visando estabelecer uma política de direcionamento dos fluxos migratórios e de interiorização da atividade econômica como estratégia para assegurar a soberania nacional no Centro-Oeste e na região amazônica. Com este objetivo Getúlio Vargas idealizou a criação de cinco colônias agrícolas a serem localizadas nos estados de Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Amazonas, e que teriam como meta assentar pequenos proprietários que receberiam lotes de 20 a 50 hectares, com assistência técnica, médica, educacional, construção de habitações, organização de cooperativas e de agroindústrias para beneficiar “in loco” a produção agrícola. No entanto, faltavam a Vargas os homens para dirigir e implantar essas colônias.
Simões Lopes, que fora colega de turma de Bernardo Sayão em Piracicaba, disse a Getúlio Vargas: “Eu tenho um desses homens que o senhor precisa”. Na primeira visita que fez a Vargas, Sayão discutiu os planos das colônias agrícolas e aceitou a tarefa de implantar a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (Cang), situada no Vale do Rio São Patrício. Iniciava-se a vida pública de Sayão, interrompida na tarde do dia 15 de janeiro de 1959 nas matas do Pará.
A região onde iria se localizar a colônia já estava delimitada antes de Sayão assumir a tarefa de implantá-la. Bernardo Sayão organizou um comboio de máquinas e caminhões e partiu do Rio de Janeiro em 1941. Naquele mesmo ano, iniciou a construção de uma estrada de Anápolis até as margens do Rio das Almas, com o mínimo de máquinas de terraplanagem e com a escassez de combustível provocada pelo racionamento imposto com a eclosão da 2ª Guerra Mundial. Sua liderança consolidou-se em menos de dois meses. Ora ele pessoalmente dirigia os tratores, ora segurava no cabo do machado ou de enxadões, a desbastar madeira e a preparar valas para os mata-burros.
Sem Dinheiro — as verbas do Ministério da Agricultura demoravam a chegar naqueles confins do interior brasileiro —, ele improvisava. Até 1965, quando o fluxo da rodovia Belém-Brasília já atingia 500 caminhões diariamente, a ponte de tambores que ele improvisou para ser vencido o Rio das Almas estava em plena forma. Os planos das colônias nacionais existiam, mas na prática as verbas não chegavam a tempo das épocas certas de plantio, nem as sementes davam para abastecer a imensa quantidade de migrantes que aportavam à colônia.
Segundo Mário Braga, ele viu logo de início que não adiantava plantar, se não havia meios de escoar a produção e começou a planejar e a executar estradas que garantissem a implantação da colônia. “Era um sacrifício tremendo. Com a guerra, faltava gasolina, as verbas não chegavam nunca. Foi quando através do seu prestígio, começou a tomar empréstimos em seu nome nos bancos de Goiás, para não deixar faltarem ferramentas, sementes, escolas e assistência médica. Seu lema era ´A colônia não pode parar´. Organizou a implantação de máquinas de beneficiar cereais, usina de açúcar, e instalou um conjunto a diesel para fornecer energia elétrica para as indústrias nascentes” — conta Mário Braga.
Para que a colônia não parasse, Sayão pagava os operários com as verbas que chegassem, comprova gasolina com verba de sementes e promovia os remanejamentos dos recursos à medida que chegavam. Ele era avesso à burocracia, ainda mais quando ela claramente emperrava uma ação administrativa rápida e inadiável. Em três anos, desde a chegada de Sayão em 1941, o Estado de Goiás experimentava um enorme surto de progresso com as estradas que ele fizera, e que foram fundamentais para a consolidação de Goiânia como capital política e administrativa, e de Anápolis como centro das atividades comerciais e industriais de Goiás.
Ele não se filiara a nenhuma das correntes políticas tradicionais no Estado, nem tampouco permitiu, nos limites da colônia, o estabelecimento de partidos políticos, quer governistas ou de oposição. Governava o Estado de Goiás, Jerônimo Coimbra Bueno, eleito pela União Democrática Nacional (UDN), após a Constituinte de 1946. A colônia já era o maior produtor de cereais do Estado de Goiás. Dessa produtividade nascia Ceres — a deusa da agricultura dos gregos — que se firmou como a mais progressista das cidades goianas à época. Como Sayão não admitia bebidas, prostituição e jogo na área da colônia, fundou-se na outra margem do Rio das Almas, a cidade de Rialma, onde quase tudo era permitido.
Como o seu prestígio crescia imensamente em toda a Região Centro-Oeste, para onde vinham mineiros, baianos, maranhenses, paraenses e brasileiros de todas as regiões, começaram as alianças de políticos goianos com o objetivo de afastá-lo da colônia e do Estado, onde era um líder inconteste junto à população. O instrumento usado pela classe política para tirar Sayão da região foi através do Ministério da Agricultura, de instaurar um processo administrativo contra ele, alegando “desvio de verbas”. Voltava-se contra Sayão a burocracia. Cobravam-lhe por que empregara verba de ferramentas para comprar remédios, ou verba de sementes utilizada para fazer pontes e estradas. O feitiço virou-se contra os feiticeiros. Sayão prestou contas, e, como disse Dona Hilda, “ainda sobraram pontes, mata-burros, casas de colonos e estradas, para as quais não houveram recursos ou verbas oficiais”.
Contudo, embora nenhuma malversação de fundos fosse provada, os políticos conseguiram que Sayão fosse demitido por Eurico Dutra da administração da colônia. Demitido, ele vendeu o gado e a fazenda que tinha em Anápolis e quitou as dívidas da colônia que contraíra em seu nome junto aos bancos de Goiás e mudou-se com Dona Hilda e os filhos para a fazenda de sua família, em Miguel Pereira, no Estado do Rio. Em Miguel Pereira, comprou um caminhão e começou a extrair pedras para construção, que ele mesmo entregava à porta das obras. Juscelino Kubitschek de Oliveira é eleito governador de Minas Gerais e o convoca para construir a Rodovia Belo Horizonte-Bahia. Em 1954, os políticos goianos vão ao acampamento da estrada e o convidam para ser candidato a vice-governador de Goiás. Começa o homem político.
O Homem Político — Na realidade, Bernardo Sayão Carvalho de Araújo não foi um político na acepção profissional do termo. Quando, em 1954, os políticos goianos o foram procurar em Belo Horizonte, estavam de fato procurando um homem de prestígio que os recuperassem aos olhos do povo goiano. As duas correntes inimigas e que disputavam a hegemonia em Goiás estavam desmoralizadas e sem um discurso junto ao eleitorado.
O candidato da União Democrática Nacional fizera uma administração opaca e saía sob um clima de intriga em que não faltou uma campanha de desmoralização, na qual se aludia que ele “comera até os faisões do Palácio das Esmeraldas, deixados pelo seu antecessor”. Nas eleições de 1950, volta ao poder Pedro Ludovico Teixeira, que fora interventor durante a ditadura de 1938. O país, em 1954, vivia um clima de golpe de estado. A UDN, com Carlos Lacerda no Rio de Janeiro assestava suas baterias contra Vargas, o que iria levá-lo ao suicídio.
Em Goiás, um jornalista ao estilo de Lacerda, era quem escrevia diariamente páginas e páginas contra Pedro Ludovico e sua administração. Tal como Gregório Fortunato, um acólito de Pedro Ludovico organizou um atentado contra os jornalistas na principal praça de Goiânia, a Praça do Bandeirante. Pedro Arantes e alguns pistoleiros, mataram o jornalista Haroldo Gurgel, e feriram gravemente outros dois jornalistas do jornal “O Movimento”. Nessas condições, com a UDN desmoralizada pelo governo inepto que fizera, e o PSD tingido pelo sangue do jornalista Haroldo Gurgel, é que a classe política foi à procura de Sayão. Ele não aceitou o cargo de candidato a governador, e de tanto insistirem, aceitou o de vice-governador, mas impôs uma condição: que lhe dessem as estradas de Goiás para conservar e construir.
Seu prestígio mostrou-se imenso na construção da vitória eleitoral. José Ludovico de Almeida, candidato a governador com Sayão, foi impugnado e até que o Superior Tribunal Eleitoral julgasse o recurso, ele foi empossado como Governador de Goiás. Logo os políticos mostraram a que vinham e a Sayão foram negadas as condições que ele pedira para fazer as radiais rodoviárias que pretendia implantar no Estado de Goiás. Juscelino Kubitschek, já Presidente da República, vai encontrá-lo nessa fase de desencantamento com a classe política e o nomeia para d iretor da Companhia de Urbanização da Nova Capital — a Novacap. Começa a segunda fase da sua saga.
Com tratores e caminhões que traz de Goiânia, faz o campo de pouso do Catetinho, abre as primeiras estradas da Capital da República e inicia a demarcação de Brasília. Em novembro de 1956, traz de Goiânia a sua família (moravam numa pequena casa no Departamento de Estradas de Rodagem de Goiás — Dergo) para uma casa feita de duratex, na Candangolândia, sendo, portanto, a primeira família a morar na futura Capital da República. Na vinda para Brasília, traz de Goiânia o diretor da Faculdade de Engenharia de Goiás, Jofre Mozart Parada, que, como Mário de Senna Braga, iria partilhar de seus sonhos e seus empreendimentos até o fim da vida. Jofre Mozart Parada fazia os cálculos e Mário Braga abria as picadas nas matas.
A fase de Brasília é de todos conhecida — é o administrador que está de volta. Na realidade, Sayão foi político por poucos meses. Em 1959, quando da sua morte, o escritor e jornalista Antônio Callado disse que a profissão de Sayão era a de “Bandeirante”. Não é exagero essa afirmação. Goiânia se consolidou a partir das estradas que ele abriu e do progresso que surgiu através de Ceres. Brasília foi beneficiada em sua consolidação pelo que ele fizera 20 anos antes em Goiás, e o Brasil interiorizou-se a partir de sua visão correta do que representava a Belém-Brasília para a Região Centro-Oeste e para impedir a internacionalização da Amazônia.
O sonho que alimentava e que já estava na prancheta de Jofre Mozart Parada e nas frentes de penetração comandadas por Mário Braga, era o de construir a estrada Transamericana, que através do Equador iria unir as três Américas. O reconhecimento mais contundente de todos os valores de Bernardo Sayão Carvalho de Araújo foi dado por Benedito Segundo. Benedito fora seu motorista e, ao saber da sua morte, não disse uma palavra, abaixou a cabeça, encostou no volante do Jeep e morreu, sendo o segundo a ser enterrado no Campo da Esperança. E Sayão, mesmo depois de morto, ainda invadiu os domínios do Curupira. Tiveram que abrir, em uma noite, uma estrada de dois quilômetros para que fosse enterrado o último bandeirante brasileiro.
JARBAS SILVA MARQUES é jornalista, professor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.